1 de outubro de 2009

RENASCIMENTO DO DEUS DIONISIO


Há um mito no qual Dionísio é o filho do deus Zeus e da mortal Semele de Tebas. Esta pediu a Zeus para vê-lo em sua forma gloriosa (não metamorfoseado), e os raios poderosos que vieram dessa visão atingiram-lhe o ventre onde Dionísio já estava. Ele então foi resgatado por Zeus, que o colocou em sua coxa para se desenvolver e renascer. Depois disso, Zeus teria dado a criança ao cuidado das ninfas.

Em outra versão do mito, Dionísio (Zagreu) é filho de Zeus e da deusa Perséfone, Rainha do Submundo. Hera pediu aos titãs para atrair a criança com brinquedos e então eles o despedaçaram, colocando-o em um caldeirão e comendo tudo exceto o seu coração, que foi salvo por Atena (ou Deméter, em outras versões). Zeus refez seu filho através desse coração e o deu a Semele para fazer nascer um novo Dionísio, o mesmo que reaparece em Elêusis como Iaco. Por isso, ele é chamado “duas vezes nascido” ou “o de duplo nascimento” (dio-nisio).

A versão sobre o corte e cozimento em caldeirão vem do hino órfico, e seu texto antigo constitui parte da religião mitológica dos órficos. Orfeu escreveu também: “Os Titãs, ciumentos da sua beleza, e as Titânides, tomadas de um amor louco, se lançaram sobre ele e o cortaram em pedaços. Então, dividindo entre eles suas partes, eles o fizeram ferver em água e enterraram seu coração. Júpiter (Zeus) matou os Titãs e Minerva (Atena) enviou o coração de Dionísio para o Éter e, lá, ele se tornou um sol ardente. Porém, da exalação do corpo de Dionísio, vêm as almas humanas que sobem aos céus” [Orfeu, ‘Cantos Sagrados de Baco’ ou ‘O Espírito Puro’].

Dionísio é filho de um deus do Olimpo com uma deusa do Hades, e nasceu de uma mortal da Terra. Então ele tem o supraterrestre, o infraterrestre e o terrestre todos juntos. Além disso, ele é atacado pelos Titãs do Tártaros, uma espécie de inferno. Mas seu coração vai ao Éter e dele vêm as almas que vão para o céu.

Dionísio não é eterno, ele nasceu um dia, mas é imortal, e é isso o que o torna diferente dos humanos. Porém, qualquer pessoa que se identifique com os deuses ou os desafie, tem suas partes desunidas. Vide Prometeu, Dionísio e até Jesus. É o que os alquimistas chamam de operação de Solutio, o estágio da água que eles identificam com o útero, e sobre a qual eles afirmam que seria um retorno ao ventre.

A imagem de Dionísio renascido/ressuscitado nos traz a idéia de um salvador. Em grego, salvador é litrotis, alguém que redime, resgata (litro), desamarra (litos) e resolve (litis) problemas. Ele é desamarrado e desprendido de seu corpo através de um renascimento sagrado.

No Tulkuísmo, um conceito encontrado em muitas tradições iniciáticas, o mestre é cortado em pedaços para que seus discípulos possam se comunicar com ele; ele se entrega em corpo e sangue – como o faz Dionísio, cortado e servido em um caldeirão. Ele é vinho por si mesmo. E, quando associado com Deméter, rainha dos trigais, ele é também pão. Dele, apenas o coração permanece. No Tulkuísmo haveria um tulku idêntico ao ser original, mas que seria como uma projeção ou uma emanação ou uma sombra transitória, a qual não é um duplo porque não pode substituir o mestre, mas o qual é um iniciado com seu próprio papel a cumprir.

A palavra “tulku” significa “uma forma criada por um processo mágico”. Bem, não há nada que nos lembre mais um recipiente mágico do que um caldeirão. Em um caldeirão, Dionísio foi preparado antes de ser “clonado” – afinal, Zeus usou uma parte de seu corpo para reconstituir o todo, um tema bastante moderno em um mito tão antigo.

Figuras de um deus-menino, uma eterna criança (puer aeternus), um paidi (criança) – o qual mostra o jovem Dionísio, costuma formar um contraste com as figuras de um Dionísio adulto e barbado, que não é um paidi, mas um cabiros (deidade ctônica da fertilidade).

Dionísio também é um deus capaz de se transformar, metamorfosear, para a perplexidade de seus seguidores e o fascínio de suas mulheres. Heráclito costumava dizer que nós não nos banhamos na mesma água do mesmo rio. Isso é o que aqueles que desejam ressurgir ao descartar o velho para a aquisição do novo estão procurando: a imortalidade ao manter o corpo, evitando os sinais da idade avançada. Quando você está dentro do caldeirão da moda, você pode ser uma nova musa mundial. Uma hiper-moderna. Isso é o que torna um Dionísio jovem e maduro um deus tão atraente para a nossa era. Ele está sempre brotando de novo e de novo.

Sabemos a associação entre Dionísio e o vinho, mas, além de bebê-lo, havia o aspecto de comer a carne do deus. Eurípides disse que teve “uma vida consagrada desde que se tornou iniciado de Zeus de ida e um pastor de bois do noturno Zagreu, e quando eu comi as refeições de carne crua”. Então, quando comia a carne crua do sacrifício, o iniciado recebia o próprio deus.

Os órficos acreditavam que os homens eram a carne e sangue de Dionísio. Os homens miseráveis seriam seus membros dispersos, contorcendo-se em seus vícios, enquanto os iniciados seriam aqueles que reconstituíam o corpo do deus através de encantamentos, fazendo-o morrer e renascer deles. O discípulo não era apenas ele mesmo, sua alma seria dividida para viver em mil corpos. Ele não sabia se era um homem ou uma sombra. Ou mesmo um tulku.

Como dizia Fernando Pessoa, em ‘Lisboa Revisitada’, 1926: “Nada me prende a nada. Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo. Anseio com uma angústia de fome de carne”. Junto com o tema da morte e ressurreição, temos o tema da perna e do reencontro. Há uma esperança do iniciado pela eternidade. Para eles, a morte não é uma maldição, mas uma benção, um ato sagrado que muda nosso destino.

Platão considerava o corpo como a sepultura da alma, o que vai de acordo com Orfeu quando este diz que a alma é punida através da união com o corpo. Pitágoras diz que “todas as coisas que vemos quando estamos acordados são morte, e tudo o que vemos no descanso são sono”.

Podemos perceber que a perda leva o relacionamento de um espaço-tempo específico, mas permite uma nova oportunidade de reencontro. Eis por que é errado ver o contínuo renascimento como algo impessoal e descartável, que jogamos fora sem reciclar. Há uma transformação iniciada pela descoberta. Uma superação. Uma “super ação”, movida pela eterna auto-recriação de Dionísio. Espero que todos possamos experimentar e experenciar isso.
(Alexandra Ellinopoula Nikasios)

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