5 de outubro de 2009

ARCANO 7 - CARRO - CHET


Dois cavalos arrastam uma espécie de caixa, montada sobre duas rodas e coberta por um dossel, onde se encontra um homem coroado, que traz um cetro em sua mão direita. Na parte frontal do carro (a única visível), em boa parte dos tarôs clássicos, há um escudo com duas letras, que variam com as editoras das lâminas.

Mais do que de cavalos, poderíamos falar de dois corpos dianteiros, fundidos ao carro. Os dois animais olham para a esquerda, mas a sua disposição é tal que parecem andar cada um para o seu lado. O cavalo da esquerda levanta a pata direita, e o da direita, a pata esquerda. O dossel repousa sobre quatro colunas.

O homem, que tem uma coroa de marquês, tem a mão esquerda sobre um cinto amarelo, na altura da cintura, e na mão direita traz um cetro que termina por um ornamento esférico encimado por um cone. O peito do personagem está coberto por uma couraça. Cada um dos seus ombros está protegido por uma meia-lua, com rostos de expressão diferente.

Os cabelos do personagem são amarelos, e seu olhar dirige-se ligeiramente para a esquerda, no mesmo sentido que o de seus cavalos.

Cinco plantas brotam do solo. Não aparecem rédeas ou qualquer outro meio de guiar o carro.

Significados simbólicos
Contemplação ativa, repouso. Vitória, triunfo.
O setenário sagrado, a realeza, o sacerdócio.
Magistério. Superioridade. Realização.

Interpretações usuais na cartomancias
Êxito legítimo, avanço merecido. Talento, dons, capacidade, aptidões postas em marcha. Tato para governar, diplomacia, direção competente.
Conciliação dos antagonismos, condução de forças divergentes. Progresso, mobilidade, viagens por terra.

Mental: As coisas se realizam, mas falta ainda montar as peças de conjunto.
Emocional: Afeto manifestado; protetor, serviçal.
Físico: Grande atividade, rapidez nas ações. Boa saúde, força, atividade intensa. Do ponto de vista do dinheiro: gastos ou ganhos, movimento de fundos.
Significa também notícia inesperada, conquista. Pode ser interpretado também como difusão da obra ou atividades do consulente através de palavras e, segundo sua localização na tiragem, significa elogios ou calúnias.

Sentido negativo: Ambições injustificadas, vanglória, megalomania. Falta de talento e de consideração. Governo ilegítimo, situação usurpada, ditadura. Oportunismo perigoso. Preocupações, cansaço, atividade febril e sem repouso. Perda de controle.

História e iconografia:
O desfile dos heróis triunfantes de pé sobre seus carros de guerra é um costume pelo menos tão antigo quanto os próprios carros de guerra. Court de Gébelin – e com ele os que acreditam numa origem egípcia do Tarô – imagina que o Arcano VII nada mais é que a reapresentação do Osíris triunfal, e que os cavalos são uma herança vulgar da Esfinge.

Mais coerente, contudo, é relacioná-lo às apoteoses lendárias que comoveram a Idade Média, época em que se localiza sua iconografia.

Pode também lembrar um conto do ciclo mítico de Alexandre, o Grande, amplamente reproduzido desde a Antiguidade até o Renascimento.

Levado até o Oriente pela sucessão de seus triunfos, Alexandre teria chegado até o fim do mundo. Quis então saber se era verdade que a Terra e o Céu se tocavam num ponto comum. Para isto seduziu com ardis – é preciso recordar que a astúcia é também prerrogativa dos heróis – dois pássaros gigantes que existiam na região; prendeu-os e acomodou entre eles uma cesta.

Com uma lança na mão, em cujo extremo havia atravessado um pedaço de carne de cavalo, o conquistador subiu ao seu carro improvisado. Com a promessa de comida que oscilava ante seus olhos, os Grifos começaram a mover-se e alçaram vôo. Os heróis não podem, contudo, sobrepor-se aos deuses: na metade do caminho Alexandre recebeu um emissário dos deuses, um enfurecido Homem Pássaro que insistiu para que ele desistisse de seu projeto. Muito a contragosto, Alexandre aceitou a censura e atirou a lança para a Terra, para onde desceram os Grifos, impacientes e vorazes.

Essa lenda, nascida certamente no Oriente, foi introduzida na Europa no fim do século II. Estendeu-se em seguida por todo o Ocidente cristão e era conhecida desde a baixa Idade Média. Numerosas ilustrações e várias esculturas que a representam chegaram até nós.

A Crônica Mundial, de Rudolph von Ems (século XIII) a reproduz em uma detalhada miniatura; em São Marcos de Veneza está o relevo talvez mais significativo para rastrear as fontes inspiradoras do Arcano VII: a cesta de Alexandre é ali uma caixa semelhante à de O Carro; aparecem também as rodas esboçadas.

Durante a Idade Média, a arte dos imagiers parece ter-se servido desta lenda como uma alegoria do orgulho.

Por sua amplitude simbólica e pela beleza da sua composição, O Carro figura entre os arcanos de maior prestígio do Tarô. É, também, um dos que oferecem maiores lacunas de interpretação.

Relacionado em princípio com Zain (sétima letra do alfabeto hebreu, que corresponde ao nosso Z), denuncia uma mobilidade e inquietude que tem a ver com todo deslocamento ou ação ziguezagueante, veloz.

Há autores que relacionam as rodas do Carro aos torvelinhos de fogo da visão de Ezequiel.

Quando se traduz a lâmina pela palavra carro – protótipo dos sistemas de troca – representa o que é móvel, transferível, interpretável. Nesse caso, seu aspecto oracular é associado às mudanças provocadas pela palavra: elogios, calúnias, difusão da obra, boas ou más notícias; e, por extensão, aos sistemas de intercâmbio em geral (economian movimento de fundos).

Aponta-se aqui a questão das relações entre esta mobilidade e o dinamismo mercurial do Prestidigitador, já que esses arcanos se encontram no início e no fechamento do primeiro setenário do Tarô.

Talvez esta analogia possa ser levada mais longe, e não parece impossível que a figura toda seja uma ilustração desta passagem bíblica. Em Ezequiel (I, 4-28), com efeito, aparecem não só as rodas, o carro e os animais, mas também “sobre o trono, no alto, uma figura semelhante a um homem que se erguia sobre ele. E o que dele aparecia, da cintura para cima, era como o fulgor de um metal resplandecente”, o que é uma descrição bastante aproximada do personagem do Arcano VII. Nessa mesma passagem podem-se encontrar também analogias válidas para o simbolismo geral do Arcano XXI (O Mundo).

Há quem veja ainda, nos animais presos, uma anfisbena (serpente de duas cabeças), ou poderes antagônicos que é necessário subjugar para prosseguir – “como no caduceu se equilibram as duas serpentes contrárias”. O veículo representaria o simbolismo do Antimônio (ou a Alma Intelectual dos alquimistas), mencionado como Currus Triumphalis num tratado de Basílio Valentin (Amsterdã, 1671).

A totalidade do arcano sugere, para Wirth, a idéia do corpo sutil da alma, graças ao qual o espírito pode se manifestar no campo do material. Esta idéia de um halo ou dupla transubstancial que não pode ser relacionada a nenhum dos três aspectos do homem (corpo –> alma –> espírito), mas que tende a relacioná-los entre si, gozou de um vasto prestígio esotérico: é o corpo sideral de Paracelso (ou astral, na linguagem teosófica), como também o “corpo aromático”, de Fourier, ou o Kama rupa do budismo soteriológico.

Finalmente, permanece em aberto a explicação para as letras inscritas no escudo: S e M (no Tarô da editora Grimaud). Alguns supõem que se referem a Sua Majestade; outros, que falam dos dois princípios alquímicos, Sulfur e Mercurius). Não é este o único ponto obscuro do arcano que Éliphas Lévy chamou “o mais belo e mais completo de todos que compõem a chave do Tarô”.
(Constantino K. Riemma)

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