Capítulo XIV
O FEITICEIRO DA CIDADE DE LUZ
Segundo um conto núbio recopilado por Leo Frobenius, O velho do deserto disse:
Se compreenderes este conto sonharás muito Se o imaginares já estarás no Paraíso.
O Senhor que está em mim saúda ao Senhor que está em ti.
Essa história é verdadeira porque foi narrada pelo Velho do deserto, que a ouviu da voz das pedras que antanho falavam.Naquele tempo muito antigo, quiçá antes, quiçá depois do dilúvio que lavou a Terra de suas manchas, os deuses habitavam o céu, o fogo, a água e o grande betilo que, agora, jaz no fundo do lago do país de Kuch. Mas naquele tempo tão remoto o betilo era branco como a alma e o seio duma virgem. Marcava o centro da cidade de Luz e se dizia que sua pedra aurora e a cidade haviam baixado do céu vivas, com os habitantes, o Templo, as casas, o lago, os prados e os bosques. E com as muralhas, cuja altura ultrapassava os poderosas picos que rodeavam o vale. Umas muralhas altas, largas, pesadas e espessas, sem porta nem janela, sem abertura pela que pudesse passar o menor rato, até o ponto onde ninguém podia entrar nem sair do reino de Luz. Porque alguns disseram que Luz era mais um reino que uma cidade, cujas muralhas sem abertura encerravam uma espécie de paraíso onde os habitantes não conheciam a velhice, nem a doença nem a morte, salvo se desejassem, se precipitando das muralhas ao sombrio abismo sem fundo, como o mar, do universo exterior.
A água pura procedente duma torrente que descia da montanha entrava e saía subterraneamente da cidade pra preservar o isolamento sagrado.As árvores proporcionavam frutos deliciosos e um maná mais excelente ainda. Os pastos herbários e gordurosos nutriam um formoso gado, as plantações produziam o melhor trigo, as mais bonitas cevadas e no bosque cresciam o terebinto, o ébano e a bosuélia que dá o incenso macho, agradável à divindade.
Aparentemente os habitantes dessa cidade fora do tempo viviam perfeitamente felizes e sem preocupação, amparados pelas assombrosas muralhas e pela eternidade do Bom Deus.Todos, exceto um: O rei, cujo reino nunca excedia das dez a quinze rondas do grande sol, às vezes um pouco menos, às vezes um pouco mais.O Rei era o único ser mortal da cidade de Luz e seu destino estava fixado pela marcha dos astros.
Quando haviam anunciado o fim do reinado, com respeito mas inexoravelmente, o soberano era conduzido à Muralha ocidental e se atirava ao universo onde morria. Os sete sacerdotes do templo velavam pela estrita aplicação do rito. Em cada noite, desde que se levantava a Vênus vesperal, tinham a missão sagrada de seguir as disposições das estrelas e seu curso no céu.
Certa conjunção que se produzia com a Lua era a sinal infalível de que o Rei devia morrer. Mas pra seguir a vagabundagem das estrelas era necessário estar muito atento e os sacerdotes jamais as perdiam de vista, nem um instante, porque se falhassem perderiam a ordenagem da configuração e não poderiam se reorientar.
De fato, os sacerdotes constituíam um corpo religioso tão poderoso, senão mais, que o poder real. Assim, à imagem do cosmo, Luz tinha a sua cabeça uma trindade a cujo cargo estava sua vida física e psíquica:
— O Rei, eleito por Deus.
— Os sete Sacerdotes dedicados à observação cósmica e à manutenção do Grande Fogo sagrado que ardia sobre uma alta colina.
— E a Donzela do Labirinto, aura da cidade, representativa de sua pureza, de sua imperecibilidade, símbolo também de sua perenidade.
Desde tempos imemoriais seu papel consistia, a cada noite, em esparramar o leite da Vaca sagrada ao redor do menir branco, o betilo, que se elevava entre o Grande Fogo e a entrada do Templo. Então a pedra divina falava ou emitia sons melodiosos que os sacerdotes interpretavam como uma linguagem, aprovação ou reprimenda, segundo as notas serem graves ou agudas.
Tão verdade como Deus é Deus e que o espírito é seu profeta, naquele tempo muito antigo os deuses falavam pela pedra, pelas estrelas, pela boca dos sacerdotes e pela graça da Donzela do Labirinto que vertia o leite sagrado em torno do betilo imaculado.
A Donzela ia sempre velada, porque ninguém devia ver seu rosto, e um unicórnio vivia em sua companhia. Tinham seu retiro no fundo do Labirinto, espécie de bosque de coluna, constelado de clareira, que constituía um verdadeiro Dédalo onde somente a Donzela sabia se orientar. Quer dizer que pra chegar a seu santuário, a sua câmara secreta, era necessário atravessar o bosque de coluna, tão vasto que quando se franquearam os primeiros troncos, contornado as primeiras colunas, dando a volta a outras, já não se sabia aonde se dirigir.
No centro do palácio estava o Divã de Opala, grande sala circular ricamente decorada de tapete, de tapeçaria, de sofá e de escabelo onde o Rei gostava de receber seus amigos e os narradores do povo, porque na cidade tão cerrada, tão separada dos outros mundos, o conto era a diversão mais apreciada e mais necessária pra fazer esquecer a clausura dourada. O Rei vivia, pois, repleto mas pensando que, inevitavelmente, um dia os sacerdotes viriam lhe dizer:
— Vimos os sinais no céu e o betilo falou. Tens de morrer!
E sabia que naquele dia se imolaria a Vaca sagrada, se apagariam os fogos do Templo, salvo aquele que ardia no alto da colina, o Grande Fogo que nunca devia se apagar. Sabia que todos os habitantes de Luz alagariam as brasas no lar, cerrariam as portas, ocultariam as janelas. Os homens cortariam a barba e as mulheres fariam oferenda da cabeleira.
Então teria chegado o momento pra ele de ir à outra vida que se conhecia, que se havia descrito: Uma vida que transcorria num reino subterrâneo, num país todo verde onde o Rei seria rei e seguiria reinando eternamente. Mas, de fato, ninguém voltara de lá pra dizer se era verdade! Em resumo, o Rei tinha medo.
Um dia chegou uma estranha notícia: Sobre o lago dos jardins, procedente do céu, pousara uma espécie de pássaro grande que pôs um ovo ao mesmo tempo casca e berço.O pássaro levantou o vôo e a casca-berço ficou encalhada sobre a ribeira do lago. Quando foi aberta, se viu, dentro um menininho que levava na frente uma mancha clara em forma de estrela. Então avisaram aos sacerdotes e ao Rei.
Os sacerdotes haviam decidido imediatamente que aquele menino vindo doutra parte não podia senão perturbar a vida da cidade, que era um indesejável e que devia morrer.
— Luz somente pode perdurar — afirmavam — se a Lei é estritamente observada! As estrelas, as montanhas, os bosques e os animais obedecem a essa lei e assim tudo vai bem.
Todos aqueles que estavam presentes, foram então testemunhas dum feito extraordinário: O menino, muito pequeno, tinha, no entanto, um dom prodigioso: Falava como uma pessoa maior e se dirigindo ao Rei, disse:
— Équidnos é meu nome e acabei de nascer neste mundo. Teus sacerdotes são cruéis. Por que queres que eu morra?
— Porque é a Lei. Aqui, ninguém deve entrar, ninguém deve sair, senão pra morrer. Ademais, o destino que te reservamos será logo o meu, quiçá amanhã.
O menino replicou em voz muito baixa pra que ao redor não pudessem ouvir:
— Ó, Rei, sei que tua hora nem a minha chegaram. Enquanto eu estiver em tua cidade nada terás a temer por tua vida.
O Rei estava assombrado ante este discurso procedente duma criaturinha que, a princípio, não deveria falar. Tudo o que o céu decretava, tudo o que o betilo decidia, era anunciado pelos sacerdotes, mas o acontecimento tivera lugar em dia, e as configurações celestes não puderam pronunciar algum tipo de veredito e a pedra sagrada não foi consultada.
Um mensageiro viera do céu, convinha lhe fazer honra e o receber com nobre hospitalidade! Ficou, finalmente, convencionado que se deixaria o menino viver e que seria julgado mais tarde.
Équidnos cresceu, cresceu tão bem que ao cabo dalguns dias, dalgumas semanas, as tradições não são rigorosas neste sentido, se converteu num garoto, depois num adolescente e, finalmente, num homem muito belo, com cabelo louro, olhos azuis e um dom de palavra sem cessar mais prodigioso. Falava, e tudo o que dizia era como uma linguagem divina. Tudo o que contava era tão apaixonante que o povo parava e não podia ir embora, não podiam evitar o escutar.
O Rei estava subjugado mais que todo mundo e chegava a esquecer que, um dia, os Sacerdotes viriam a lhe anunciar a data de seu óbito. Équidnos sabia muito sobre o porvir e tudo do passado, desde os tempos originais que dizia ser uma luz deslumbrante, até o tempo dos primeiros homens e das primeiras cidades. Por causa desse dom o Rei o queria e ia a escutar cada noite, no Divã de Opala, as histórias cativantes que se situavam em épocas e em lugares dos quais não se tinha idéia em Luz.Escutava, escutava e dormia com um estranho sonho já que, dormindo, continuava ouvindo o narrador e sonhava com aventuras que excitavam seu prazer, surpresa e admiração. Despertava na aurora mas esperava a noite com impaciência porque Équidnos era o narrador maravilhoso do qual já não podia prescindir. Era como o ópio, como o haxixe.
Todo mundo em Luz esteve logo a par do acontecimento e se intrigava pra conseguir o favor de sonhar um conto no Divã de Opala.
Desde que Équidnos falava, era, pra quem escutava, como os primeiros tragos de haxixe um doce bem-estar e as coisas em torno ficavam enfumaçadas em imagens embaçadas. Équidnos seguia falando e quem escutava era como o fumante que, depois de dez pipas de haxixe de ópio perde a noção da realidade mas pode viver intensamente o que lhe contam. E logo, como ao fumar trinta pipas de haxixe, era o êxtase, o embevecimento.
A Corte, os convidados, os servidores, todos escutavam, entendiam, compreendiam e viviam os contos. Participavam, se convertiam em heróis num grande sonho desperto. Porque de fato, dormiam muito depressa. A fama de Équidnos era tão grande que irradiava fora do Divã, como as ondas da água em torno do salto do peixe, como as ondas do céu em torno do trovão, tanto era assim que através do bosque do Labirinto chegou ao santuário da Donzela do Unicórnio... Como um estremecimento de asas, como um convite, chamado e atração de ímã. E, numa noite, o que devia acontecer aconteceu: A Donzela acudiu ao Divã de Opala. Naquela noite Équidnos esteve mais prodigioso, mais assombroso, mais mirífico, mais encantador que nunca.
A estrela de ouro de sua fronte cintilava como a primeira estrela que desperta no despontar da noite. Contou histórias dos mares longínquos, de amor e de jardins onde chovem pétalas de rosa e de amendoeira, onde fontes de água sussurram em ilhas perfumadas de ilanguilã, onde dançam princesas de sonho e jovens deuses de rosto resplandecente. E quando falava ocorria que suas palavras mais fascinantes, após vibrar no ar, se materializavam em flores ou em pedras preciosas cambiantes que caíam como uma fina chuva no Divã de opala.E todo mundo ficava alienado de embevecimento como o fumante de ópio ou de haxixe. E logo todos dormiam.
Todo mundo, exceto Équidnos, todo mundo exceto a Donzela que devorava com os olhos o narrador. E o narrador devorava da Donzela aquilo que podia ver. Via muito pouco dela porque, era a Lei, a jovem estava velada e seus véus caíam até seus tornozelos e os pés da Donzela eram a única parte de sua carne que se deixava conhecer. E, na verdade, eram maravilhas da criação, amassados em mel de abelha alimentada com néctar de acácia, cinzelados como jóias espanholas, pequenos, delgados, empenados, com dedos largos e finos, de unhas carmesins como pétalas de rosa.
E, numa noite, quando narrava os olhando com amor, a Donzela perguntara, em voz muito baixa pra não perturbar os dormentes:
— Por que olhas meus pés?
— Porque, depois do próprio Deus, expresso na criação, são as coisas mais perfeitas que pode contemplar um olho humano. É também a única coisa adoravelmente terrena que conheço de ti. És bela, imagino, tenho certeza, mas teus olhos, boca, cabelo, tudo o que és, pertence ao sagrado, ao inacessível. Somente te une à Terra o que vejo que te leva e faz dançar teu corpo: Teus pés miúdos que são tu e tua realidade terrena sem tabu. A quem é permitido adorar.
E enquanto dizia isso Équidnos viu que a Donzela levantava suavemente seus véus.Procedente do longínquo confim do Labirinto o bramido furioso do Unicórnio repercutiu no bosque de coluna, mas ele nem ela prestaram atenção.Se embriagava a imaginando inteira. Ela o olhava intensamente, o comendo com os olhos. Em fim ela murmurou:
— Saberás que meu nome é Iona. Tudo o que dizes é, pra mim, cântico de abelha, de primavera e música celestial. É necessário que sigas falando porque estou enamorada de ti.
Deixou cair os véus quanto despontou a aurora e partiu ao labirinto onde sabia se orientar muito bem, sem se extraviar.
O Rei despertou e disse:
— É dia. Urge. É tarde! É tempo de cumprir nossa missão.E todo mundo despertou.
Todos ficaram atônitos ao ver o solo recoberto de pedras preciosas e todos partiram até sua ocupação mas ninguém viu nem ouviu o que foi dito entre Équidnos e a Donzela. Desde então, todas as noites, depois do dever de seu cargo do betilo, a Donzela acudiu ao Divã de Opala pra escutar ao narrador. E a cada noite, também, ela suspendia um pouco mais o véu e era a recompensa de Équidnos, mas nunca se desvelou totalmente. Seu mútuo amor se reforçava, se exaltava dia a dia, noite a noite, conto a conto.
A estrela na frente de Équidnos se fazia cada vez mais luminosa, e palpitava como um coração.
De fato, era o próprio mistério de sua natureza donde extraía, como duma mina inesgotável, a suntuosa matéria de sua narrativa. A beleza de Iona acrescentava as grinaldas de sua magia. No entanto ambos sentiam uma surda angústia ante o pensamento de que, um dia, fatalmente, quando o Rei morresse, seu idílio terminaria.
— Os sacerdotes viram os sinais no céu? — Perguntava Équidnos com frequência.
— Não! Prosseguem com suas observações. Nenhuma sinal há aparecido, ainda, e o betilo canta grave e doce.
— Então, não há que esperar mais tempo pra salvar nosso amor e salvar ao Rei. Sabes que, por nossa culpa, Luz está condenada a desaparecer?
— Me o figuro. — Suspirou Iona.
— Sabes que, além das muralhas, se estende um reino sem fronteira e onde se vive o tempo suficiente pra amar sem temor e realizar os contos que eu relato, pela noite, no Divã de Opala? E é tão maravilhoso viver os contos, incluso se ao final, longínquo, te asseguro, devemos sumir no nada ou prosseguir a aventura humana no outro mundo sob a terra. E, ademais, não temos escolha.
Équidnos lhe colheu ternamente as mãos e, descendo a voz pra ser ouvido só por ela, expôs minuciosamente seu plano.
No dia seguinte, após efetuar a oferenda do leite em torno ao betilo, a Donzela se dirigiu aonde estavam os sacerdotes e lhes disse:
— Sois os Vigilantes, olhais as estrelas e sabeis muito porque lereis no grande livro do Céu que é a mais bela criação dos deuses.
Os sacerdotes responderam:
— É a coisa mais bela que os deuses fizeram. O Céu e o betilo nos ensinam tudo.
— Não. Não tudo! — Disse Iona — Équidnos revela segredos que deveríeis conhecer.
— És sacrílega! — Disseram os sacerdotes — Um narrador não pode dizer mais que os deuses que fizeram os homens, as mulheres, a Natureza, o universo e o Céu.
— Équidnos é um enviado do céu. Quando fala, pela graça do Céu, suas palavras se convertem em música, flor ou pedra preciosa. Deveríeis lhe escutar.
— És sacrílega! — Repetiram de novo os sacerdotes.
Mas Iona se obstinou:
— Falais de modo pouco sensato. Quem não escutou não tem o direito de se pronunciar. Não podeis saber se Équidnos é um enviado de Deus e deveis esclarecer esse ponto!
Advogou tão bem a causa secreta que trouxera ao Templo que, finalmente, os sacerdotes, vacilantes, acederam a sua petição:
— Pois bem, assim seja. Escutaremos o narrador e responderemos a sua pergunta.
O que foi dito foi feito: Na noite os sete sacerdotes do Templo, numa decisão totalmente excepcional, foram a se misturar aos ouvintes do Divã de Opala.
Équidnos disse coisas tão maravilhosas como de costume, e desde os primeiros instantes, o Rei, os assistentes, os sacerdotes, os servidores, se sentiram invadidos por um profundo bem-estar que lhes penetrava como a fumaça de ópio das primeiras pipas. Cada um continha seu alento, as serventes deixavam de servir e as aves noturnas suspendiam seus trinos nos jardins. E as palavras de Équidnos, quando se exaltava, se convertiam em chuva de esmeralda e rubi. Falava do que fora e do que seria mais tarde, de cavalgadas nos bosques perigosos, dum maravilhoso jarro adornado que era necessário buscar, de muros que, repentinamente, se entreabriam pra deixar penetrar a universos fabulosos. Contava as façanhas épicas de cavaleiros que eram formosos, bravos, leais, que se sacrificavam pelo mundo ou por uma dama mas que, também, buscavam querela pela beleza dum bom morrer.
Jamais se havia escutado algo parecido na cidade de Luz e, por outro lado, essas aventuras e proezas não haviam, ainda, sucedido e existiam somente em traços pontilhados nos arcanos do futuro. O Rei, cortesãos, sacerdotes, convidados, serventes, escutavam num estado segundo, como se acha o fumante à décima pipa de ópio.
Équidnos continuava contando. Falava da fada dum lago, de reinos submersos nos oceanos, enterrados em montanhas, e resultava, a cada vez, mais encantador, mais embriagador àqueles que escutavam e que, rapidamente, se encontravam como o fumante à vigésima pipa. E todos dormiam e sonhavam o conto.
No dia seguinte os sacerdotes se interrogaram:
— Que resposta vamos dar à Donzela?
— Ah! — Disse um deles — Talvez não escutamos o bastante. É difícil se pronunciar. Certamente, esse narrador é excelente e nos faz penetrar num universo estranho. Mas que seja um enviado de Deus, como pretende a Donzela, é duvidoso!
— Seria necessário o escutar uma segunda vez! — Sugeriu outro sacerdote.E na noite regressaram todos ao Divã.
Depois, voltaram em terceira vez, quarta vez, sétima vez e, finalmente, conquistados e subjugados, enfeitiçados como o Rei, convidados, serventes, todo mundo, apenas caía a noite, desde que aparecia no poente a luz verde de Vênus esqueciam sua missão e iam ao Divã de Opala pra ouvir Équidnos e suas palavras mágicas que viravam ouro e pedras preciosas e faziam nascer no espaço flores e arabescos, cores e mundos fluidos, reinos e mulheres oníricas.
Mas, nesse momento, já não espreitavam o céu nem Iona ia interpretar a palavra do deus que habitava o betilo. Passaram as noites e as semanas com a rapidez silenciosa das horas nas nuvens dos dias felizes.
Um dia, ao se encontrar com os sacerdotes, Iona lhes perguntou:
— Então o que pensais, agora, de Équidnos?
O Grande Sacerdote replicou:
— É um narrador prodigioso, uma grande maravilha que o Céu nos enviou, mas uma maravilha satânica, maravilhosamente abominável. Sabes que desde sua chegada ao Reino a colheita é menos abundante, que as vacas dão menos leite, que se viu perecer árvores e alguns não mais dão frutos nem maná?
— Sim, sei. — Disse tristemente a Donzela.
— É um mal presságio prà cidade. Sabes também que perdemos o fio do Céu e que o betilo sagrado já não deixa ouvir suas palavras? Équidnos conta tão excelentemente que não miramos as estrelas há mais de trinta luas e agora estamos perdidos em nosso estudo da configuração. Já nos é impossível nos orientar e nunca saberemos quando deverá morrer o Rei. Os maus sinais abundam e não podem ser conjurados, a menos que restabeleçamos a Lei e condenemos a morte ao Estrangeiro. Cometemos uma grave falta. E tu o mesmo que nós.
Os sacerdotes participaram ao Rei sua decisão. O Rei perguntou:
— Não sabeis, então, quando acabará meu reinado?
— Não! — Confessaram os sacerdotes, muito contritos. — Já não sabemos!
O Rei se regozijou muito ante essa resposta. Mas lhe agradou menos saber que Équidnos devia morrer, porque queria isso sinceramente e já não podia prescindir dele. Já não podia prescindir dele do mesmo modo como já não se pode prescindir do ópio ou do haxixe quando se ficou impregnado por seu eflúvio. Como, tampouco, o cão pode prescindir do homem, o rio do vale, o homem se privar do prazer que dá a mulher, o fumante do tabaco, o coração do amor, a abelha da rosa e a rosa da abelha. Como, tampouco, o dormente pode prescindir do sonho, já que o sonho é inerente ao homem mais que sua própria sombra quando faz sol. No entanto era necessário obedecer à ordem dos sacerdotes que falavam em nome dos deuses.
Então, com o coração dolorido, o Rei assentiu.
— Será feito segundo vosso desejo. Dentro de três dias, na mudança lunar, o Estrangeiro será conduzido à Grande Muralha Ocidental e precipitado ao mundo da morte.
Quando soube disso, Équidnos se limitou a responder:
— Te prometi longa vida, ó Rei, e eis cumprida minha palavra. Pra minha vida será o que está escrito nas estrelas.
Anunciou a notícia à Donzela quando ela acudiu ao betilo pro rito da noite.
— É cruel e injusto! — Exclamou ela com veemência.
— Não tanto. — Disse Équidnos — Acaso não urdimos uma conspiração pra salvar nosso amor e a vida do Rei? Se os sacerdotes faltaram a seu dever, se a Pedra Sagrada já não fala, não sou o primeiro culpado?
Houve entre ambos um grande silêncio que deixava adivinhar a confusão de seu pensamento, o que acontecia a Iona.
— Devo me submeter à decisão do destino. — Disse, finalmente, Équidnos — Mas é triste, quando se ama, morrer sem ter conhecido e visto a Donzela de seu pensamento e de seu coração. Amada minha, se logo devo partir ao reino subterrâneo, desejaria que fosse com tua imagem pra que ilumine minha noite eterna. Não me deixarás te ver inteira antes que eu morra?
— Nesta noite... — Respondeu ela.
Um pouco antes do aurora, enquanto os dormentes, salvo os dois enamorados, viviam seus sonhos, perdidos em oceanos de néctar, Iona fez uma sinal e ele a seguiu. Ela penetrou no Labirinto enrolando um largo fio de seda que marcava o caminho pro regresso de Équidnos.
O Unicórnio esperava num clareira, furioso e encantado ao mesmo tempo.
— Meu doce guardião. — Murmurou a Donzela — Sinto uma grande pena por te decepcionar, mas o amor é mais forte que a razão e te rogo me perdoes.
O amansou com ternas palavras, acariciou largamente o corno de cristal e, a força de mimo, o apaziguou tanto e tão bem que o formoso animal acabou adormecendo.
— Venhas! — Disse ela a Équidnos.
Se orientava ela entre as colunas como a abelha ao regresso à colméia e seus pés maravilhosos pareciam interpretar uma sinfonia dançada sobre os alouçados de mármore e ônix. E Équidnos penetrou no refúgio íntimo da Donzela como se poderia penetrar no interior duma jóia, duma pérola ou duma esmeralda. Talvez no interior duma estrela! Mas, quem penetrou no interior duma estrela?
Olhava em torno dele, deslumbrado. Quando voltou a cabeça até Iona, ela deixara cair completamente seus véus. Somente seus pés maravilhosos estavam ocultos e ela parecia irreal, etérea, luminosa, fora do espaço-tempo e fora da beleza terrena e divina.
Ele gemeu com êxtase, com inefável felicidade.
Então, lentamente, como jóias tiradas dum estojo, ela se libertou totalmente da prisão dos véus. Avançou um passo até ele, verdade sublime, luz material. E como seus pés a uniam à terra, como abandonava sua leveza, sua luz mudou e Équidnos compreendeu que ela saía de sua inacessível cidade de Luz, que rompia todas as muralhas, todos os tabus pra se converter, voluntariamente, em carnal criatura terrena apta pra amassar e interpenetrar carne humana. E ela estava ali, ante ele, menina-moça enamorada, arrebatada, aberta como uma romã muito madura ao sol.
Quem estivesse no Labirinto poderia ouvir os tristes gemidos, tristes até encolher a alma, do Unicórnio...Aquilo havia sucedido assim e a estrela havia depositado sua luz, radiação e imperecibilidade entre os braços do Encantador e do narrador de imaginação dourada. Aquele dia devia ser marcado com pedra negra.
Para começar: O Sol se levantou tarde sobre a montanha desde a qual se elevavam nuvens de vapor sulfuroso. Em primeira vez na história da cidade se escutou rugir o trovão e relâmpagos rasgaram as nuvens. Camponeses disseram que o rio crescia e ameaçava transbordar nos prados. Por último, se viu com terror como o betilo perdia, pouco a pouco, a cor albina e enegrecia como pão deixado muito tempo no forno. Perplexos, os sacerdotes não abandonavam o Templo e se desmanchavam em oração.
No meio-dia alguém anunciou que se ter presenciado um prodígio incrível. Bramando de dor ou de ira, não se sabia bem, o Unicórnio saíra do Palácio, dera três vezes a volta ao Grande Fogo Sagrado, e, com um salto prodigioso se elevou ao ar, acima das muralhas que franqueou. E depois se perdeu no horizonte de montanha e céu.
Isso era o que várias pessoas viram e do qual se declaravam convictas.
— É uma grande desgraça. — Gemeram os sacerdotes.
— Se o Unicórnio fugiu e o betilo ficou negro é porque a Donzela do Labirinto faltou a seus votos. Équidnos a desviou e ambos ameaçam a segurança de todos.
— Pecaram juntos. Devem perecer juntos.
— Nesta mesma noite. — Acordaram.
O Rei se viu obrigado a se render ante tão justas razões e comunicou ao narrador a funesta sentença.
Équidnos não pareceu perturbado já que tinha seu plano. Apenas disse ao Rei:
— Não obstante. Rei, reclamo um favor e não me deves negar: Em minha última noite de vida quero falar na grande praça pública de Luz pra que todo mundo possa me ouvir. E depois me conduzirão à Grande Muralha Ocidental em companhia da Donzela.
O Rei, muito triste, assentiu e disse:
— Quero que tudo seja feito como desejas.
Por conseguinte, chegado a noite, o povo foi convocado e Équidnos chegou ao centro da praça sobre um estrado. O rei estava sob seu pálio, velado o rosto. Iona estava junto ao Rei, também velada mas deixando assomar, esplendidamente, seus pés maravilhosos pra que Équidnos ficasse por eles inspirado, penetrado, subjugado, mais fertilmente inspirado e imaginativo. E Équidnos, naquela noite, foi o Grande Mestre do Verbo. Disse coisas ainda mais enfeitiçantes que de costume, mais novas e mais desconcertantes. Era como uma braçada de margaridas primaveris acrescentada a um ramo veranil. Suas palavras eram mais persuasivas que nunca, mais floridas, mais suntuosas e se transmutavam em ofitas, essas pedras verdes que são o cérebro, a orelha e a boca da terra.
Sim, naquela noite Équidnos se superou e foi sublime. Disse os mistérios do mundo, do céu, de tudo o que os homens buscam saber e compreender, de tudo aquilo ao qual aspiram e que atrai sua curiosidade. Os segredos se revelaram como clamados pelos anjos dum apocalipse. E era como se o Céu se entreabrisse pra desvelar as proibições e o rosto de Deus. E o povo ria dormindo, se estremecia dormindo, aplaudia dormindo, maravilhado, subjugado, extasiado e, ao mesmo tempo, confuso ante a imensa honra e confiança que o Céu lhe testemunhava. E a estrela de ouro brilhava mais que nunca, palpitava como um coração diante de Équidnos.
Dizia mil milagres e falava de sete sábios que, pelo privilégio de sua virtude, começavam a voar como pássaro no céu de Deus. E seu Verbo era tão terrivelmente mágico que se estivesse desperto, o povo de Luz poderia ver o Grande Sacerdote, depois outro, e logo um terceiro. E todos os sacerdotes começando a voar como o Unicórnio, num só impulso, franquear as altas muralhas e se perder entre as nuvens.
Équidnos continuava como se nada passasse e contava em imagem tudo o que no inconsciente coletivo, se tramava, se urdia, se concretizava havia dias e dias, noites e noites, anos e anos. E, com sua revelação, com a partida dos sacerdotes, Luz se convertia numa cidade livre! Livres as estrelas em sua vagabundagem, livre o Rei, livre o povo pra fixar seu destino. Livre a Vaca Sagrada pra se reunir com a manada, livres os fogos pra arder ou apagar.
Quando os dormentes despertaram se ouviu um largo suspiro de alívio ascender da cidade como um grande vento e, como uma nuvem, esse alívio planou suspenso encima dos palácios e das casas. Por a magia do Verbo, o universo de Luz mudara e um novo dia despontava sobre uma civilização nova. Desse modo aquela coisa impossível se realizara: A vida se evadira de Luz e a morte pôde penetrar nela, soubera franquear as altas muralhas da cidade. No espaço dum sonho.
O que é certo é que o povo desperto, maravilhado, gritou subitamente:
— Abaixo os sacerdotes. Viva o rei!
E também o rei gritou:
— Abaixo os sacerdotes!
E era feliz, vencedor, porque sabia que agora ele nem Équidnos nem a Donzela morreriam pela vontade dos representantes de Deus.
E a partir daquele dia tudo mudou em Luz. Ninguém mais observou: As estrelas nem o betilo. Os camponeses semearam o trigo a sua conveniência e toda a Natureza se libertou das leis estritas impostas pelo céu. Nunca mais os fogos dos lares foram apagados nem cerradas portas e janelas, nem cortada a barba dos homens nem, tampouco, a cabeleira das mulheres. Nada ficou oculto. E, posto que se havia chegado a todo ele, o Rei e seu povo decidiram abrir uma porta na muralha da cidade. Os habitantes atacaram vigorosamente, com pás e piquetas, a Grande Muralha Ocidental pra perfurar o túnel que, atravessando a espessa base, desembocaria sobre o reino exterior, aonde nenhum vivo chegara.
Depois de dias e dias, semanas e semanas, meses e meses de trabalho, a luz do Reino Exterior brotou por uma brecha: Luz já não estava só em seu universo! O Rei ordenou que se alargasse a fenda mas que ninguém traspassasse aquele umbral. Tudo deveria ser feito em sua ocasião com grande cerimonial. Inclusive ficou estabelecida a idéia de consultar os deuses mas ninguém conhecia as fórmulas que os atraíam, a magia que os fazia aparecer e falar. Se decidiu prescindir do auxilio do Céu.
Na verdade o Rei estava inquieto. Já não tinha os sacerdotes pra consultar e, consciente de sua responsabilidade real, se perguntava se não dimanaria um perigo pela violação dos tabus.
— Franquear a muralha sempre foi perigoso!
— É preciso que uma relha proíba a fuga ao reino desconhecido!
— É um projeto razoável. E guardarei a chave da porta infranqueável!
E o que foi pensado foi dito e o que foi dito foi feito: Uma relha monumental, enorme, pesada, de barrotes de metal forjado foi cravada no meio do túnel e guardiões vigiaram a entrada. Assim tudo pareceu voltar à ordem. Exceto que a Vaca Sagrada freqüentava as manadas de touro, que o Templo estava deserto, que as colheitas ficavam cada vez mais míseras, que o rio tão rápido crescia desmesuradamente ou que se diminuía até se converter num simples riacho e que o betilo estava mudo e negro como um asa de corvo.
Somente pôde explicar as coisas Équidnos, aquele ser milagroso que viera do Céu numa grande esfera voadora, que nascera dum ovo flutuante sobre a água do lago e que falava como um mestre escolar desde sua chegada ao mundo. Mas Équidnos, que compreendia esses sinais precursores de catástrofe se cuidava muito de desvelar seu pensamento, exceto a Iona, a quem disse um dia:
— Os presságios são cada vez mais sombrios e inquietantes. É preciso partir nessa noite e buscar refúgio no reino de fora.
— Quero o que queiras, coração aberto e olhos cerrados! — Respondeu ela, impetuosamente — Falas e creio em cada palavra tua.
Na noite, aproveitando o pesado sonho do Rei, Équidnos entrou na câmara e com maestria e discrição furtou a chave de ouro do portão, que o soberano conservava sempre pendurada no pescoço na ponta duma correntinha. E depois, ambos, o Encantador e a Donzela empreenderam a fuga da cidade dormente com seu sonho de eternidade, porque todo mundo tinha, ainda, o privilégio da vida sem limite.
À entrada do túnel os guardiões vigiavam mas, mediante sua magia, Équidnos os adormeceu num instante. Então, os fugitivos penetraram no imenso passadiço e chegaram ao portão, que não tiveram dificuldade em abrir com a chave de ouro. No entanto a grade rangeu sobre suas dobradiças e creram perceber um murmúrio de alarma que era, ao mesmo tempo, lamento. Em sua excitação não fizeram caso e correram à saída e à vida do Reino da terra prometida. Adeus Luz, adeus Rei!
De mãos dadas, coração palpitante, franquearam a saída e ficaram quase assombrados ao se ver vivos. O ar do outro reino lhes pareceu mais ligeiro, mais puro, mais revigorante que em Luz, mas, talvez, não era mais que uma impressão de liberdade. Treparam na montanha que fechava o horizonte e de cujo cume podiam contemplar a cidade de Luz. Longínqua já, erguia suas altas muralhas e se divisava no vasto recinto o betilo alto e negro, as pontas das pirâmides, os pináculos dos monumentos, os telhados pontiagudos dos templos e as terraços das casas. E também a brecha que violava o cinturão de muralhas. E o rio que corria abaixo nas muralhas. Subitamente houve uma brusca convulsão do solo. A montanha se estremeceu e tremeu como uma besta ferida de morte.
Esmagada pelas muralhas que eram agitadas por forças internas, a brecha do túnel voltou a se fechar, até o ponto em que a água do rio, que costumava surgir da terra depois de passar sob as muralhas, cessou de emanar como se um desprendimento bloqueasse o curso.
Équidnos e a Donzela olhavam aquele apocalipse. E não era mais que o princípio do drama. A água, detida em seu curso natural, começou a se concentrar na parte baixa da cidade e, pouco a pouco, irresistivelmente, ascendeu às ruas e às casas, submergiu as praças públicas, o templo, as pradarias. Ascendeu sem cessar e formou um imenso lago que era retido pelas muralhas da cidade como vinho na taça.
Com espanto os fugitivos assistiam o terrorífico espetáculo.
— Estamos perdidos. — Murmurou Iona — Tudo aconteceu por nossa culpa e é o fim do mundo!
— Eu sabia. — Disse Équidnos — Mas o mundo que acaba em Luz começa onde estamos.
O caldeirão gigantesco da cidade de Luz se enchia de água e logo transbordaria. O Templo desapareceu e a água subiu até alcançar o Grande Fogo, até o submergir. Se pôs a ferver no gigantesco copo de pedra e brotou até o céu num penacho de vapor ardente que, mais alto que a mais alta nuvem, se abriu em imenso cogumelo. Um relâmpago de calor e de luz ziguezagueou nas nuvens e estremeceu os dois sobreviventes. Se fez um silêncio de morte. E uma espantosa crepitação retumbou, repercutindo mil vezes na montanha, e as altas muralhas arrebentadas caíram nas cataratas, no maelstrom dum oceano furioso.
Transcorreu um tempo, longo, que parecia infinitamente longo e infinitamente intenso. Depois, novamente, um silêncio impressionante. Lá, onde se elevava a maravilhosa cidade de Luz, havia um mar que buscava seu leito, calmosamente, nas aberturas e as anfractuosidades da montanha. Se diz, hoje, que Luz, convertida à cidade da Sombra, existe, ainda, na água profunda dum lago rodeado de altas montanhas tendo em seu centro geométrico um betilo enegrecido pela incredulidade e impiedade.
Onde?, exatamente. Pouca é a possibilidade de um dia saber! Também se diz que seus habitantes conservaram a imortalidade mas que são mortos-vivos. Vivem mortos como antanho se continuava outra existência no reino subterrâneo de Osíris.
E tudo aconteceu por um ser vindo doutra Parte, pelo ar. Um ser que, nascido num ovo, havia, mediante a magia de seu verbo, aportado leis novas na organização magistral dum reino. Porque havia sacudido a ordem cósmica, separado o homem do divino e introduzido o câncer na grande organização celular tradicional.
Mas quem poderia dizer se tal não havia sido a vontade dos deuses que naquele tempo viviam sobre a Terra? Équidnos e Iona baixaram ao vale do outro lado da montanha e nunca contaram a alguém sua fantástica aventura que se converteu numa lembrança oculta no mais profundo de seu coração. Viveram assim toda uma vida humana e nunca tiveram filho, já que não eram do mesmo sangue.
Ao envelhecer a pele de Équidnos ficou reluzente e a estrela de sua frente se petrificava, se convertia em excrescência de pedra e, depois, em carbúnculo brilhante como brasa. Outros disseram que parecia uma esmeralda de centelhas fulgurantes. Na hora da morte natural foi convertido em serpente e deslizou por uma fenda da montanha. Quando chegou a hora de Iona, se converteu numa flor de gerânio, essa planta odorífera que gosta da borda das janelas pra escutar o que se diz nas casas.
Alguns asseguram que se metamorfoseou em concha marítima, a concha que retém, difunde e diz as aventuras do mar e dos marítimos.
Gerânio ou concha? Ninguém saberá exatamente e essa história nunca seria conhecida se o Velho do deserto não se houvesse empenhado em recolher as pedras do País de Kuch: As ofitas verde escuro estriadas de veios amarelos que sabem as coisas ocultas e as murmuram àqueles que têm ouvidos pra ouvir. Mas é uma história verdadeira, tão verdadeira como Deus é Deus e que antanho os deuses habitavam a pedra, a água e o grande betilo albino que ficou negro pelos pecados dos homens.
Capítulo XV
NOTAS E COMENTÁRIOS SOBRE O CONTO
O feiticeiro da cidade de Luz é um conto iniciático no qual foram reunidos os símbolos maiores, inclusive o Vaso (Graal) que representa a cidade das portas cerradas. A idéia dominante que pôde escapar ao profano mas não ao adepto, é a regra de observância da vida cósmica.
Enquanto o homem está em comunhão com o universo, a evolução prossegue segundo o ritmo de ouro. Tudo se degrada, se deteriora e se dilui quando o homem, por orgulho, decide determinar sua eleição e sair da Lei. É bem verdade que essa Lei é dura, nem boa, nem má, mas rígida e necessária.
A fênix deve se queimar sobre a fogueira, o rei deve ser condenado a morte, os touros devem ser imolados o mesmo como Deus deve se sacrificar perpetuamente, como o Sol, pra se manter e manter a vida. Enquanto foi observada a lei cósmica Luz perdurou.
E depois houve o pecado vindo do céu com uma história de Feiticeiro, mestre do Verbo, quer dizer, da maia, da mentira.
Équidnos falou como falava a Serpente a Eva e a Adão. Mas, não era necessário que viesse?
O narrador e a Serpente não são mais que os instrumentos do destino. Como poderiam resistir os homens aos encantamentos que são os agentes destrutores da ordem, mas que encantam a imaginação?
Ao ser a vida eterna em Luz, cabe imaginar que o tempo tinha um valor particular e que os seres se estabilizavam à idade de sua conveniência.
O mito é sempre mais antigo que o conto que o revela. O mito é a memória dos sacerdotes. O conto é o sonho dos povos.
O sentido profundo dum mito não deve ser desvelado porque o véu de Ísis é o vestido que esconde o tesouro, o conteúdo da cesta nos mistérios elêusicos. Por isso mesmo, o vestido dum rei engendrado pelo sacro é um véu de Ísis. O rei que está revestido com ele não é um homem: Se converte numa dignidade.
O que existe nele, é sua coroa, seu manto, seu cetro, seu trono. Seu rosto e sua identidade importam tão pouco que, antanho, na alta Antigüidade egípcia, não se devia representar seus rasgos: Somente devia existir como símbolo. Desvelar o final dum mito seria, por conseguinte, uma incursão sacrílega nos caminhos proibidos.Nem tudo deve ser revelado:
— Seja porque tudo deve ser merecido e divulgado no tempo desejado.
— Seja porque determinados ritos sacrificais (o do rei, da vaca, no conto de Luz) eram tão cruéis que os sacerdotes temiam os confiar aos ouvidos profanos.
O tempo chamado bárbaro era, na realidade, tempo cósmico e os ritos que se reputavam cruéis eram naturalmente (por natureza) obrigatórios.Quando os sacerdotes, sensibilizados ao desvio sentimental, sobrepuseram o ato pelo simulacro, foi o começo da perdição. No entanto, está na ordem cósmica que o homem desobedeça. Ademais, é necessário compreender que a maior parte dos sacrifícios deviam ser simbólicos e não reais.
O Sol não se apaga a cada noite no grande mar ocidental. A fênix não se atira à fogueira. O dragão não é morto pelo iniciado...
Quando o sagrado se apaga há caída do sacro no profano, no sacrilégio, e a civilização se afunda. O homem separado do cósmico se torna solitário, órfão, e então inventa deuses pra se tranqüilizar. A igreja cristã, que já não se preocupa por um sacrilégio mais ou menos, cogita colocar a Páscoa numa data fixa do calendário. É um atentado ao caráter cósmico dessa festa.
A Páscoa se situa ritualmente no domingo seguinte à lua cheia do equinócio da primavera. Há séculos se sabe que a Semana Santa é fria, hostil, com riscos de escarcha ou de granizo. Os jardineiros sabem que o alho plantado na proximidade da Sexta-feira Santa produz um bulbo com um só dente. Os caçadores, os pescadores, os horticultores, sabem que nessa época muito concreta a caça e os peixes se alimentam com tal ou qual planta, freqüentam tal ou qual lugar. Esse acordo, esse labirinto em relação com as forças da Natureza constituem a essência mesma do cósmico e fazem que a Páscoa o mesmo que 24 de junho (São João), como o 23 de setembro, o 21 de dezembro (Natal) são grandes festas cósmicas.
Se a Igreja persiste em seu desígnio de situar a Páscoa numa data fixa, então já não haverá acordo com a Lua, com o gelo, com o frio, com Deus. Os jardineiros, os horticultores, os pescadores, os caçadores, pra se orientar em suas tarefas e seus costumes, já não poderão consultar o calendário cristão (que será falso) e deverão se ater à Lua. É dizer de novo: Diretamente a Deus.
A palavra Páscoa já nada significará, em absoluto, e a cristandade ficará separada do cósmico.
De fato, já faz muito tempo que a ruptura se consumou! No Feiticeiro da cidade de Luz, havia, ao princípio, uma relação magistral entre as atividades humanas cotidianas e as da Natureza. Essa harmonia tranqüilizava a multidão e lhe persuadia de sua posse do divino cósmico, aos grandes ciclos, e tudo se voltava incrível e sem dúvida, possível: Os milagres, a vida eterna, a levitação, o passo dentro do opaco, aos outros mundos e aos outros universos. Opinamos que o leitor estará interessado no fenômeno do nascimento duma lenda.
Vimos (capítulo 1. Subtítulo: Quando Ys surgir Paris perecerá) que a cidade submersa de Vinheta era eterna como Luz e que, a cada cem anos, ressurgia, durante uma hora ou uma noite. Do mesmo modo se pode expor, imaginar, inventar que a cidade de Luz deverá, também, ressurgir em determinadas épocas ou em determinadas datas e acrescentar que em tal ou qual lago de montanha se ouvirá, às vezes, tilintar os sinos de seus templos.
Nas lendas e tradições sempre se dá o mesmo processo, com iguais ritos. Não era necessário fazer esses comentários ao leitor antes de que lesse o conto. O adepto os conhecia. O profano devia esperar.
Capítulo XVI
CRÔNICA DOS TEMPOS ATUAIS E VINDOUROS
A civilização ocidental está em seu ocaso e se afunda, pavilhão arriado, num oceano contaminado de vício, de egoísmo e de materialismo. Uma autodestruição em toda regra. O progresso não pode ser detido: Se detém por si mesmo. Mas o que sucede no mundo branco será também o destino das outras raças, os amarelos e os negros que lhes sucederão.O que virá depois dos negros? Provavelmente outro ciclo, a continuação duma pralaia, se dermos crédito às profecias da Índia.
FENÔMENO DE REJEIÇÃO
As tradições e os escritos sagrados afirmam que Antepassados Superiores conheceram nossas aventuras maravilhosas e terríveis.
Um imbecil disse um dia: «Somente acreditarei na bicicleta pré-histórica quando vir uma». Mas, quem viu Deus, sua própria inteligência, seu coração, Jesus cristo, Carlos Magno. Quem viu um átomo, os quarques, os quasares?
Os esoteristas crêem num próximo fim do mundo ocidental (que não será o fim do mundo, porque a ensino do passado revela a natureza do porvir). Tudo começou com o roubo do fruto do labirinto no paraíso terreno. A ciência não foi proibida, senão estigmatizada por Deus, e os homens, fazendo caso omisso desse tabu, realizaram algo irremediável que, de fato, era fatal.
Não são responsáveis por isso já que foram programados pra ser sacrílegos. No final de nosso tempo, a partir do século XVIII, um processo análogo se desenvolveu no sentido Europa–Estados Unidos. Foi como um fenômeno de rejeição que projetou fora do velho mundo esclerosado células cancerosas que se desenvolveram, fora da moral e fora da lei, sobre um território virgem.
Desde o início do século XX Estados Unidos esparramou no globo princípios incontrolados, experimentos apressados e um novo modo de sociedade e de vida que afogou o que o mundo antigo conservara de válido e de cósmico. Se instaurou o materialismo e com ele o desenvolvimento desenfreado, estúpido, da ciência e de seus corolários: A insatisfação, a cobiça, a violência e o terror.
O rapto com seqüestro, as quadrilhas contrabandistas, os assaltos, as máquinas caça-níquel, a droga, a bomba atômica, o movimento ripe, etc., e finalmente a insegurança a todos os níveis tem acabado por desviar os homens e os contaminar de morte.
Não é culpa dos ianques: Como Eva, como Adão, obedeceram aos impulsos secretos de sua natureza.Como protesto ante essa operação suicida, a Natureza manchada, destripada, degradada, começa a reagir pra não permitir aos homens continuar agindo até a destruição completa de seu planeta.Por outra parte, os povos jovens se sublevam e repudiam a felicidade branca como repudiariam a peste e a cólera.
UMA CIVILIZAÇÃO DE TÉRMITAS
Por mais que se fale da evolução darviniana das espécies ou das crenças no homem, criatura excepcional e privilegiada, não por isso deixa de ser menos certo que o choque genético dinâmico do planeta sugere reflexões bastante pessimistas.Do clã primitivo que compreendia de trinta a cinqüenta indivíduos, a sociedade humana passou à fase tribal: Cem a trezentos indivíduos, e à de nação: Milhares ou milhões, e à saturação: Quatro mil milhões de homens e seis a oito mil milhões dentro de vinte e cinco anos.
Se essa demografia galopante não for freada por cataclismos naturais ou por genocídios organizados, a qualidade da vida terrena será logo inaceitável.
Então os homens deverão adotar um sistema social similar ao das formigas ou as térmitas: A vida em vastas concentrações.
Essa visão do futuro, por espantosa que pareça, nada tem de inverossímil, e semelhante sociedade poderia ser aceita por nossos descendentes se novas filosofias condicionassem nesse sentido sua mentalidade.
SOMOS TODOS CRIMINOSOS DO PECADO
Esse esquema resulta muito crível pelo fato de que encaixa perfeitamente com os fatos vividos e o processo natural de equilíbrio que rege o capital genético das espécies animais.Não obstante, é prudente formular certa reserva, embora pareça se opor à lei universal dos ciclos e ao bom sentido puro e simples: Se o homem se voltasse, sensato, justo e bom, o final de sua civilização poderia ser notavelmente atrasado.
Há alguns anos comitês científicos formularam a hipótese duma detenção voluntária do progresso. Muito rapidamente assimilou a futilidade de semelhante intenção que supunha não somente o fim da corrida nuclear, senão também limitação de riqueza, de potência, por conseguinte de malignidade, inaceitáveis tanto aos afortunados como aos reivindicadores incapazes.Ademais, o sistema implicaria um estrito controle do nascimento, da vida, da morte: Maltusianismo e eutanásia.Sob esses sombrios auspícios a população do globo chegou em 1977 à cifra de largos quatro bilhões de indivíduos, o que é altamente inquietante.A fome reina. As riquezas naturais do solo se esgotam.
As facções políticas, religiosas, intelectuais, democráticas segregam cada vez mais o veneno do egoísmo, da violência, da reivindicação de princípio, da corrupção.A insegurança ianque gangrena o mundo e se infiltra nas províncias mais sãs das nações, e então, os homens começam a meditar acerca do fim do mundo e os menos corrompidos tentam exames de consciência.Mas quase todos são culpados, criminosos e condenados por antecipação.
Os que mataram, assassinaram, roubaram, violaram, seqüestraram, abusaram são os menos culpados.Porque são os outros, aqueles que se crêem inocentes que, na realidade, são os coveiros de nossa civilização, de nosso tempo:
— Aqueles que beberam demasiado e fizeram brindar a seus garotos.
— Aqueles, a multidão, que comeram demasiado e que, degenerando também, e mais ainda, seu capital genético, sacrificaram seus filhos obsedados ou míopes ou mongolóides ou deficientes mentais ou inválidos.
— Aqueles que perverteram a juventude lhes dando tudo em abundância, sem restrição, sem esforço, sem preparação ao duro enfrentamento da vida.
(O mais criminoso dos homens é aquele que deu a seu garoto de dezesseis anos a moto ou o carro com o qual sonhava mas que não merecia).
— Aqueles que oprimiram os trabalhadores e os que oprimiram os patrões.
— Aqueles que foram ricos egoístas.
— Aqueles que foram pobres tão impertinentes e abusivos como os afortunados.
— Aqueles que vendem arma e aqueles que a utilizam.
— Aqueles que são inteligentes e que aguçam seus neurônios com fins satânicos.
— Aqueles que não são inteligentes e que vivem, bebem, comem, votam, falam como se fossem inteligentes.
Em resumo, o globo terreno no século XX parece se assemelhar a uma granada mal elaborada que qualquer incompetente pode fazer explodir.
SE PODE MATAR DUAS VEZES?
A França, pra citar um exemplo, é tão poderosa como URSS e Estados Unidos juntos!E sucede o mesmo com Inglaterra, Israel, Austrália e todos os países que possuem a bomba atômica.Porque, em definitivo, a situação se pode imaginar do modo seguinte: Duelistas vão se metralhar a 3m de distância.Um dos dois possui duas metralhadoras e o outro uma.Qual dos dois tem mais possibilidade de matar o outro?Ou também pode se apresentar assim: Dois homens são condenados a morte.A um cortarão a cabeça. Ao outro a cabeça, o tronco e as pernas.Qual morrerá primeiro?
Com cega estupidez, ianques e russos (outros também) fabricam e armazenam bombas atômicas que, em 1982, resulta difícil neutralizar, destruir ou evacuar fora de nosso globo.
Muito provavelmente, as bombas ianques jamais serão soltas sobre a Rússia e, com a mesma probabilidade também, nunca as russas serão lançadas sobre as cidades ianques.Em troca, infalivelmente, os dejetos e resíduos radiativos poluirão nossa atmosfera durante séculos e séculos. Infalivelmente, também, algumas bombas explodirão e provocarão cataclismos espantosos.
Porque isso já aconteceu. E várias vezes!
EXPLOSÕES ATÔMICAS EM EUA E EM URSS HÁ MILHARES DE ANOS
Já relatamos que uns cataclismos de caráter aparentemente atômico explicavam a criação do deserto ianque entre Califórnia e Nevada. No século XIX o capitão ianque Ives William Walker escreveu: «Vestígios de erupções vulcânicas, blocos carbonizados ou vitrificados, atestam a passagem nessa região de uma terrível praga...«Considerando esses tristes restos os índios são acometidos dum religioso espanto mas nada sabem referente a sua história».
Quase nas antípodas, na Ásia, o deserto de Gobi apresenta também a aparência duma região que foi devastada em tempos remotos por uma grande catástrofe.Se trataria de explosões atômicas motivadas por uma guerra total entre os dois supergrandes conjeturados daqueles tempos: A Atlântida e o continente de Mu?
Estamos tentados a crer assim, tanto mais que as tradições dos maias quichés mencionam uma imensa migração dos antigos mexicanos então instalados no atual Estados Unidos.
«Seguindo o conselho de seus sacerdotes, partiram até o Sul, fugindo do país da morte.» (G. D. Universal-México.)Curiosa coincidência: O deserto de Nevada é onde os ianques armazenam suas bombas atômicas, e no deserto da Mongólia é onde os russos têm seu principal depósito.A Índia é, também, uma terra à que a praga nuclear teria devastado há alguns milênios se damos crédito ao Ramaiana e ao Drona Parva.
O fogo dessa arma (utilizada pelos heróis Rama) destruía as cidades produzindo uma luz mais clara que 100.000 sóis. O vento, então, se levantava e o fogo da arma terrível queimava os elefantes, os soldados, os blindados e os cavalos sem que o pudesse ver, já que era invisível.
«Esse fogo fazia cair a unha e o cabelo dos homens, branqueava a plumagem dos pássaros, coloria de vermelho suas patas e as deixava torcidas. Pra conjurar esse fogo os soldados corriam a se atirar nos rios pra se lavar e lavar tudo o que deviam tocar..».
Se não se trata dos efeitos da radiação por explosão nuclear será necessário que os irredutíveis racionalistas de todo matiz encontrem uma explicação satisfatória a esse fenômeno cataclísmico!
EXPLOSÕES ATÔMICAS NOS MESMOS LUGARES, NO SÉCULO XX
Várias vezes, em Estados Unidos, durante esses últimos anos, bombas atômicas estiveram a ponto de detonar. Se insinua, inclusive, que duas delas teriam explodido em seu silo. Fugas radiativas em dez, vinte vezes, tem semeado o pavor e a perturbação na vizinhança das feitorias nucleares.
O submarino atômico Trescher, em 10 de abril de 1963, afundou no litoral de Nova Iorque. Não tinha, provavelmente, bombas A ou H a bordo. Em compensação o Scorpion, que afundou mais tarde no Atlântico entre as Açores e Estados Unidos, as continha, muito seguramente.
Com ocasião do sismo de Páscoa de 1964, o depósito ianque de bombas atômicas de Fort Richardson em Ancoragem (Alasca) esteve a ponto de detonar, ao caírem alguns pinos de segurança. Os milagres não se reproduzem duas vezes!
Em 1964 anunciamos, em O livro dos segredos traídos, que em fevereiro de 1958 uma ou várias bombas atômicas detonaram na URSS, na região do lago Balcache, causando numerosos mortos e milhares de feridos, entre eles dois generais russos.Dois anos depois da catástrofe, em 9 de dezembro de 1960, após visitar os lugares, o professor israelita Lev Tumerman deu detalhes mais concretos.
Na região de Kysthim havia centenas de quilômetros quadrados de terra devastada: Casas derrubadas, abandonadas, campos ermos, nenhum ser humano, nenhum animal...O Governo proibira beber a água dos rios, se banhar neles, comer seu peixe.
A explosão se aconteceu numa feitoria de plutônio.
Há uns quinze anos os produtos agrícolas vendidos no mercado de Cheliabinsk eram passados pelo contador gáiguer pra controlar contaminação radiativa.
Em 25 de outubro de 1976, entre a ilha de Osmussar e a base militar soviética de Paldiski, a nordeste da Estônia, uma explosão acidental teria causado vítimas muito numerosas. Por suposto o estado soviético atirou um denso véu sobre o assunto.O sábio soviético dissidente Jaures Medvedev, atualmente refugiado na Grã-Bretanha, assegura que aconteceram numerosas catástrofes nucleares na Rússia desde 1950 mas dada a ditadura do segredo que impera em todos os países comunistas, o mundo livre nunca soube.
As mesmas conjuras de silêncio se tem observado no Ocidente. Foram dois meses depois do acidente quando se soube das fugas de matérias radiativas que teriam sido feitas em setembro de 1973 (35 pessoas contaminadas) e em outubro de 1976, na central de Windscale, na Inglaterra.
Quando se acrescenta à lista dessas catástrofes conhecidas as devidas ao envenenamento pelas matérias químicas, se tem o direito de considerar com apreensão o porvir do gênero humano.No ano 1976 começou a Era apocalíptica, tanto no sentido real como no sentido figurado, com a nuvem da morte de Seveso, na Itália, que causou dezenas de vítimas segundo as informações oficiais, mas que ameaçou e contaminou, sem dúvida, perto de 10.000 pessoas.
Por último, ao quadro da morte que nos espreita, há de acrescentar os inseticidas, os venenos alucinógenos e medicinais, os acidentes rodoviários, o ruído gerador de loucura e a onda de atentados criminosos cuja moda, nascida em Estados Unidos, é perfidamente divulgada pela televisão, rádio, cinema r imprensa sob a égide benévola do Ministério da Cultura.Porque a ameaça, os perigos, vêm principalmente de Estados Unidos, grandes contaminadores do mundo, dispensadores de todas as perversões e do materialismo. De Estados Unidos, onde um em cada quatro habitante possui um revólver, desde o míni-Derringer ao Magnum 44, passando pelo Colt 45, o 38mm e o pequeno Saturday night special (Especial de noite de sábado), se aponta no France-Soir de 25-30 agosto de 1976.
Tudo contribui a preparar a apoteose em forma de fungo de grande formato que coroará o reinado da civilização do Homo sapiens.
Enquanto só cabe albergar a esperança do advento ou do retorno do Homo justus do qual, até hoje, nenhuma ossamenta foi encontrada sobre os sítios pré-históricos!
QUEM FARÁ ARREBENTAR O GLOBO?
Os cidadãos conscientes, organizados e ao mesmo tempo tão ignorantes como os caipiras da Idade Média, são enganados por todos os canais do labirinto. A Imprensa, o Rádio, a Televisão e seus jornalistas livres e íntegros são os instrumentos da ocultação dos fatos e das verdades políticas.Salvo quando os russos anunciam que os ianques extraviaram algumas bombas atômicas no Pacífico, no Atlântico e, de modo mais concreto ainda, no litoral da costa espanhola, em Palomares.Uma vizinhança encantadora!
Salvo também, quando os ianques revelam que explosões atômicas aconteceram na URSS. Intercâmbio de boas maneiras entre estados-gângster.Mas o que se esquece ou o que não se quer dizer, é que o terrorismo com a bomba atômica que se fará, inelutavelmente, nos próximos anos, porá em perigo nossa civilização.Porque esse apocalipse está a alcance de qualquer pequena nação enlouquecida, ultrajada, ou violada por um dos dois grandes ogros impudicos.
— Bá! — pensam as avestruzes, escondendo a cabeça na areia.
Seria impossível que Israel, vencido, esmagado, pulverizado pelos muçulmanos, induzido ao suicídio, expulso da Palestina, proibida sua existência na Ásia, África, Europa, América, Oceania, não arraste com ele todas as nações num vasto holocausto? Não se encaixaria em seu destino de povo eleito precipitar um mundo deliqüescente, corrompido, no banho de fogo purificador, na Grande Luz mortífera que faria asséptica a argila de nosso planeta? Ou melhor: É impossível que os palestinos espoliados, expulsos de seu país ancestral, internados em campos de concentração e depois lançados, declarados indesejáveis por aqueles mesmos que foram os cúmplices da Grande Iniqüidade... é impossível que esses réprobos, esses traídos, esses acossados não se levantem, um dia, em justiceiros dum mundo criminoso?
É impossível que alguns dentre eles, decididos a morrer, e os camicases formam legião entre os desgraçados, não fabriquem bombas atômicas e as depositem no metrô de Nova Iorque, Londres, Moscou, Paris ou Tóquio?Ao contrário, é muito possível!
E se esse papel de Anjo purificador não recaísse em Israel ou nos palestinos, quem poderia assegurar que um japonês fanático, que um Idi Amim Dada fora de si, que um camponês maltratado do altiplano, que um louco ou um sensato, que um ripe ou que um cátaro não desempenhasse esse papel de justiceiro inspirado?
PROIBIDO ENTRAR A DEUS
Com a mais perfeita má-fé, os sábios que se deixam manipular pelos Governos, se erigem em garantes da inocência dos experimentos nucleares.O gerador Super-Fênix de Creys-Malville (Isére) poderá produzir centenas de toneladas de plutônio, ou seja, o suficiente pra fabricar milhares de bombas atômicas.Se detonasse (o que não está excluído), se fugas importantes se produzissem ou se se desmantelasse, a população da Europa inteira cairia sob uma radiação mortal.
— Impossível! — Asseguram os técnicos —Tudo controlado, tudo comprovado, tudo previsto. Um acidente grave não pode acontecer, já que seria estrangulado imediatamente por medidas eficazes.
Essas sábias palavras foram pronunciadas no sábado, 30 de julho de 1977, às 15:20h, no momento em que um meteorito gigante atravessava o céu de Madagascar antes de se enterrar a sudoeste da ilha.Se caísse sobre Tananarive a cidade seria destruída ou, ao menos, gravemente danificada.Imaginemos que um meteorito similar se choque contra o solo na proximidade de Creys-Malville, como parece indicar essa advertência do céu!
Um meteorito, ou num foguete portador dum míssil! Ou numa zarabatana russa de nêutrons acelerados... ou também um míssil Cruzeiro ou um Minuteman de 15.000km de alcance, provido de três foguetes atômicos ultra-precisos, uns e outros soltos imprudentemente no espaço por um artilheiro distraído! O qual já ocorreu em 1970 com um foguete Athena que, lançado desde Utá com destino a uma base militar do Novo México, ultrapassou o vôo 2.000km além e se espatifou em pleno México, no estado de Durango!
— Um meteorito? — Replicam os atomistas — E por que não o trovão de Zeus?
Algumas más mentalidades medrosas teriam melhor tendência a temer as 5.000t (5 milhões de quilos) de sódio líquido que em caso de acidente se inflamariam espontaneamente em contato com o ar ou a água (o que também aconteceu com o super-gerador soviético BN 330 de Chevtchenko, na Prikas-piskaya Nizmenost).Outros pensam que ao ser o Super-Fênix um super-gerador de nêutron rápido, seu coração de plutônio poderia se embalar e desencadear uma explosão atômica.
CLUBE MEDITERRANÉE EM CREYS-MALVILLE
Os sábios não são charlatães, que diabo! E os super geradores não são perigosos!A prova é que se o Super-Fênix se embalasse o plutônio fundido entraria em contato com o sódio do circuito primário!
— Maravilhoso! — Asseguram nossos bons expertos — O sódio se vaporizaria e o vapor detonaria. Nada grave, como podem se dar conta!
Incêndio nas 5.000t de sódio?
— Se fecha a cuba e o sódio se apaga por si mesmo! — Afirmam os do CEA (Comissariado da Energia Atômica).
Risco de explosão?
— Resultaria como um petardo molhado: Psé! E ainda, nem sequer isso... Por quê? A causa do efeito Dopler... Não se pensou no efeito Dopler?
Em resumo, o Super-Fênix é muito menos perigoso que uma pistola de ar comprimido e os técnicos do CEA recomendam encarecidamente a vizinhança ao super gerador aos ansiosos, fatigados, que necessitam tranqüilidade, paz e ecologia supranatural.É igualmente eficaz contra câncer, eczema, tuberculose, asma, cólica e Monsieur Trigano poderia substituir seus clubes Mediterranée por clubes Super geradores com banho, navegação a vela e esqui náutico em piscinas de sódio líquido.Alguns reticentes ou retardados, como os físicos Edward Teller, pai da bomba atômica, e Leo Kowarski, pioneiro do Centro de Sarclay, teriam muita inclinação a colocar 20.000km entre eles e nosso Super-Fênix mas isso não é mais que picuinha, bagatela e superstição.
Nenhum sismo, nenhum acidente dalguma natureza, pode danificar o Super-Fênix, posto que sábios o elaboraram e expertos qualificados decretam a colocação fora da lei do azar e dos cataclismos naturais no departamento de Isére.Muito agudos nossos sábios. E muito mais seguros de si que o próprio Deus!
Não obstante, aos que persistem em duvidar, se pode fazer constar que meteoritos gigantes caem a cada ano em nosso globo.
Os maiores se enterraram na cratera de Ungava, no Canadá (3,3km de diâmetro) e de Arizona, no Arizona, Estados Unidos (1,2km de diâmetro) .Em Tungusca, Sibéria, em 30 de junho de 1908, 40.000t de meteorito devastaram toda uma província, deixando mais de duzentos crateras.Se conseguiu conservar meteoritos de 36t (Cape Iorque, na Groenlândia), 27t (Bacubirito, México), 14t (Willamette, Oregão, Estados Unidos).Um pequeno meteorito de tão só 20t caindo a 2.600km/h e com temperatura exterior de 2.600ºC a 3.000 ºC, desbarataria facilmente um super gerador do tipo Fênix.
Caem em média, segundo Quid, seis pequenos meteoritos na França a cada ano, e um só de 3t a cada 20 anos!Em 26 de abril de 1803, em Laigle (Ome), caíram de 2.000 a 3.000 meteoritos sobre uma superfície de 50km2.Essa cifra pode alcançar, às vezes, 100.000 sobre alguns quilômetros quadrados, como assim se produziu em 30 de junho de 1888, em Pultsusk, Polônia.
Os chubascos desses corpos celestes incandescentes parecem obedecer a um ciclo aproximado de 40 anos: 1789, 1833, 1866, 1933 e em épocas bem determinadas: 14–20 de novembro pros leônidas, 14 de novembro pros biélidas ou andromédidas (originários da constelação de Andrômeda) e 9 de outubro pros dracônidas.A data crucial, na França, poderia, por conseguinte, rondar 14 de novembro de 2017.
SE LE REDOUTABLE EXPLODISSE
Aparte esses riscos naturais, os do desastre atômico, pelo próprio fato da bomba, são, ainda, mais prováveis.Como um aprendiz de feiticeiro o homem brinca com forças fantásticas que não está em condição de domesticar. As mais perigosas são as dos submarinos nucleares.
A URSS possui 45 deles, Estados Unidos 40, a França somente 5: Le redoutable (O temível), Le terrible (O terrível), Le foudroyant (O fulminante), L'indomptable (O indomável) e Le tonnant (O trovejante).Le redoutable e Le terrible são submarinos de segunda classe, equipados com foguetes atômicos A e H operacionais.Com 128m de eslora , 9.000t de arcada, Le redoutable desce facilmente além dos 300m de profundidade. Sua instalação elétrica poderia satisfazer a necessidade duma cidade de 20.000 habitantes. O equipamento de bordo compreende uma cafeteria, um cinema, salas de televisão e de ginástica, um hospital, duchas quentes, cozinhas, uma padaria. Em resumo: Seus 135 homens da tripulação vivem ali como numa pequena cidade.Uma cidade que se deslocaria sob os gelos polares quase permanentemente.Aqui mora o perigo.
Le redoutable está equipado com 16 mísseis nucleares M1 de 2.500km de alcance, M2 de 3.000km e M20 mais poderosos ainda, já que providos de bombas H.Todos esses mísseis podem ser disparados em imersão ou em superfície por ordem procedente do grande Quartel General terrestre instalado em Paris. Um só destruiria uma capital e cercania.A potência de destruição dos 16 mísseis é igual à desenvolvida por todas as nações no transcurso das guerras de 1914-1918 e 1940-1945.
Os M1 e os M2 têm bombas A drogadas, as menos poderosas!, liberando, cada uma, 10.000.000t de TNT (trinitrotolueno, dinamite), ou seja: Centenas de vezes a potência da bomba atômica A.Quem se atreveria a pretender que, um dia, Le redoutable ou outro submarino nuclear ainda mais potente não detonará sob um pó, provocando o aniquilamento total do mundo?
Um acidente é possível. A amotinagem duma tripulação que fica histérica é uma eventualidade que ninguém pode descartar.O risco é, quiçá, mínimo mas existe.Se um cataclismo pusesse em perigo a Terra o cálculo de probabilidade dá muito mais oportunidade ao ato de terroristas isolados ou aos acidentes que à determinação reflexa duma nação atômica.
FAÇAS TU MESMO!
É necessário saber: Fabricar uma bomba atômica está ao alcance de qualquer bom engenheiro francês, chinês, ianque ou senegalês.
Em 1976 uma bomba atômica A custava 12.000 francos.Em 1985 terá somente o valor dalguns barris de petróleo.Se duvidas dessa estimativa eis aqui uma história verdadeira que dará motivo pra refletir:
— Estou em condição de construir uma bomba atômica. — Disse John Aristote Phillips, estudante da universidade de Princetão, Estados Unidos.
Pra demonstrar o bom funcionamento de sua afirmativa o jovem, 21 anos, trabalhou quatro e meio meses até estabelecer o plano duma bomba atômica A.A dificuldade, menor na escala dum estado ou dum poderoso grupo político, consistia em procurar um pouco de plutônio e uma quantidade próxima aos 10.000 francos novos.O plutônio, ou o urânio 235-238, mesmo não estando a venda no comércio livre podem ser facilmente roubados, por um comando bem armado, duma refinaria, universidade ou centro de investigação ou de experimento.
Quanto ao problema do dinheiro é supérfluo dizer que é praticamente inexistente.Por conseguinte John Phillips estabeleceu um plano tão exato, tão preciso, que o Pentágono ficou estupefato e alarmado: Definitivamente, qualquer pessoa podia, em 1976, fabricar uma bomba A cuja potência de destruição foi estimada num terço da que destruiu Hiroxima em 6 de agosto de 1945, decidindo de golpe o fim da guerra ianque-japonesa.
— A tivesse podido fabricar eu mesmo, — assegurou Phillips — isso exigiria menos de dois meses de trabalho.
Sua tese tinha por título: Os princípios fundamentais dum modelo de bomba atômica — Avaliação dos problemas e das possibilidades que encontraria um grupo de terrorista ou uma nação não nuclear que desejasse fabricar uma bomba a fissão Pu 239.Para levar a bom fim seu estudo o estudante se inspirou em artigos e livros que publicaram informações técnicas e, em particular, publicações oficiais editadas pelo muito oficial US Government Printing Office e vendidas a 20 dólares por The National Technical Service de Uochintón!Phillips obteve a planta do sistema de ignição da bomba simplesmente telefonando à Sociedade Dupont de Nemours, de Wilmington (Delauer).Com o pretexto de que fazia, na universidade de Princetão, estudo sobre a fissão nuclear, perguntou, naturalmente, como poderia criar uma onda de choque capaz de provocar uma explosão.O engenheiro consultado, soltou, por inadvertência, o nome do produto utilizado pelo exército ianque.Então só faltava procurar esse produto numa indústria do tipo Sociedade de Refinamento de urânio, ou em Saint-Goban, ou na Sociedade de Potássio e Adubo químico.
Ou melhor, eventualmente, roubar!
UM SEGREDO A VOZES
Uma bomba atômica artesanal pode muito bem ser fabricada por quem quer que se disponha a procurar 5kg ou 6kg de plutônio.
Mas não duma só vez! Porque a 7kg, inclusive menos, o plutônio de massa crítica explode espontaneamente.O jogo consiste, pois, em o fragmentar em partes separadas ou isoladas por telas de chumbo ou de cádmio.A explosão nuclear acontecerá quando todas as partes forem postas bruscamente em contato.
A bomba de John Phillips, se a tivesse fabricado, disse o professor Chilton, físico especializado em energia nuclear, poderia, muito possivelmente, funcionar.É, certamente, dum modelo antiquado mas poderia destruir uma cidade da importância de New Haven (160.000 habitantes).
Segundo doutor John B. Wolf, presidente do Departamento de justiça criminal em Nova Jérsia, terroristas poderiam fabricar uma bomba A utilizando os combustíveis dos reatores nucleares.Somente 9,5kg de plutônio seria necessário pra efetuar a operação, que custaria, aproximadamente, 85.000 francos.Estimativa exageradas, em nossa opinião, atribuem a semelhante bomba uma potência 200 vezes maior que a de Hiroxima.
Num artigo publicado por Science et vie (#680), Hannes Alfven estima em 20kg o plutônio que seria necessário roubar pra equipar uma bomba artesanal.Alguns bons engenheiros, se dispusessem desse plutônio, poderiam resolver o problema facilmente.
«É difícil imaginar como, no porvir, se poderia evitar uma proliferação de bombas atômicas (artesanais)», escreveu Hannes Alfven, fazendo constar que logo funcionarão no mundo milhares de reatores atômicos.
Então haverá enorme produção de plutônio e muito menos dificuldade em o obter por qualquer meio.
SE O DIABO TENTA
Revistas especializadas ianques, inglesas, francesas, etc., tais como Technical reports (Relatórios técnicos), de Los Álamos, Anual review of nuclear science (Revisão anual de ciência nuclear) (vol. 25, pág. 407), The National technic service (Serviço nacional técnico), de Uochintón, The curve of binding energy (A curva da energia de ligação), Nucleonics (Nucleônicas), de junho de 1957, Science et vie (Ciência e vida), de maio de 1974, etc., dão todos os detalhes necessários prum engenheiro artesão.
Queres saber como se faz uma bomba A? Eis aqui um pequeno esquema que te explicará tudo em resumo.
U = bomba, longitude 2m. A = massa esvaziada de urânio natural, muito espessa com a finalidade de servir de refletor de nêutrons. B = urânio 235. C = massa de urânio correspondente à massa A. D = segunda massa de urânio 235 na qual se encaixará a massa A. E = tela. F = carga explosiva pra pôr em contato as massas B e D. G = dispositivo de disparo.É o tipo mesmo da bomba A de Hiroxima, hoje caduco. Se preferes o sistema de implosão, tipo bomba de Nagasaque, eis o esquema:
Bomba atômica A de urânio. Bastante fácil de fabricar pra qualquer bom engenheiro. Custo: 10.000 a 20.000 francos. Conveniente pra qualquer terrorista individual.
A = plutônio 239 pulverulento. B = cuba de urânio natural que serve de refletor de nêutrons. C = bananas de explosivos (dezenas) comprimindo o plutônio a um ponto supercrítico. D = dispositivo de disparo.
Bomba atômica A de plutônio. De realização mais difícil. Mais conveniente a um poderoso grupo de terrorista ou a uma pequena nação não nuclear.O plano duma bomba H é muito mais complicado e escapa, no momento, à fabricação artesanal.
Damos um esquema extremamente simplificado que foi publicado por um periódico em 1974.O corpo da bomba é fantasticamente comprimido pelas explosões das bananas (P) dispostas em torno ao caparazão metálico do refletor de nêutron.
Bomba H. Modelo muito mais complicado, que escapa às tentativas do aficionado. Mais conveniente a uma nação oriental semidesenvolvida.O detonador é uma bomba A de urânio 235 (A) que, comprimida por um explosivo, envia toda sua energia à massa (B) de deuteriúro de lítio.Então se produz a reação em cadeia dos nêutrons e uma colossal liberação de energia: Calor e radiação.
Toda essa informação e esses esquemas foram publicados em numerosos periódicos e revistas.Apresentam menos perigo do que se poderia crer a primeira vista, já que os governos não tomam a sério por simples ignorância e desídia!
Assim no número de 6 a 12 de abril de 1948 de Ici-Paris revelamos, em grande exclusividade mundial, o princípio de fabricação da bomba H, depois duma indiscrição involuntária do professor Paul Chanson, que estava muito longe de suspeitar que o jornalista com quem se entrevistava, anotava em sua memória as palavras técnicas, as cifras, e estabelecia uma quase perfeita coordenação das revelações sucessivas.É bem verdade que o jornalista, seu servidor, estava, também, longe de suspeitar que punha a disposição dos russos um segredo fantástico do qual, provavelmente, não se aproveitaram!
8 GRAMAS PRA ANIQUILAR O MUNDO
Os professores Keith Mac Donald, do Environmental sciences services adm. (Administração de serviço de ciências ambientais), e Robert Gunst, do US Coast and Geodetic Survery (Costa ianque e vistoria geodésica), estabeleceram, depois de sábios cálculos, que o próximo fim do mundo poderia acontecer em 3.991.Sua teoria está fundada na potência decrescente, desde o século V, do campo magnético terreno. Se esse fenômeno continuar a Terra não mais terá campo magnético até o ano 4.000.
Se trata de previsão sem consistência, já que se estabeleceu a partir de observação a curta distância sem ter em conta períodos e ciclos habitualmente relacionados com toda manifestação eletrocósmica.Mas a eventualidade dum fim do mundo ou, ao menos, de transtornos geofísicos consideráveis e catastróficos nos parece de caráter provável.
Em 1984, a mais tardar, a bomba atômica artesanal estará a alcance de qualquer grupúsculo terrorista. Por exemplo, o grupo 666 de Brigadas Vermelhas, que não escolheu seu nome por acaso: 666 é a cifra da Besta no Apocalipse.É certo que se pode alegar que uma lei sobrenatural, ao longo de nossos três milênios de civilização, desempenhou o papel de milagrosa salvaguarda.
Nunca um louco envenenou a água potável das grandes cidades.
O chanceler Adolfo Hitler podia, em abril de 1945, destruir o mundo histérico de seus adversários e de seus partidários, e com eles a totalidade da humanidade, espalhando 9 gramas de bacilos de toxina botúlica, o tóxico mais poderoso conhecido.Não o fez.
Porque se ignora, afortunadamente!, que a bomba atômica é quase brinquedo infantil em comparação à pavorosa botulina.O mais potente dos venenos minerais ou vegetais é a batraciotoxina, extraída duma rã colombiana.
Dose mortal em micrograma por quilo de peso animal = 3.
Depois vem a tetrodotoxina = 8,5, o curare = 500, o cianuro e o arsénico = 10.000.
As toxinas das proteínas são consideravelmente mais potentes: 70μg (micrograma) pro veneno de crótalo, 0,07 prà terrível semente de rícino, 0,001 prà toxina tetânica e, em último, pavorosa: A toxina botúlica = 0,00005μg/kg.Bastariam, pois, oito gramas de botulina pra destruir 4 mil milhões de seres humanos .Mas que sábios aceitariam fabricar o estoque mortal e facilitar o modo de emprego?Cabe duvidar!
A COLOQUES SOB A BANQUISA OU NA FENDA ATLÂNTICA
Todas as probabilidades, toda as oportunidades, estão, em nossa opinião, senão prum fim do mundo, pelo menos pruma gigantesca catástrofe nuclear, a menos que um cataclismo natural: Sismo, erupção vulcânica, destrua nossa civilização.Logicamente, se a catástrofe for acidental, acontecerá no sudoeste de Estados Unidos ou no sudeste da Urs.Se for provocada, criminosamente ou por desejo de justiça, obteria o máximo efeito com uma série de pequenas bombas A ou H dispostas em lugares concretos da banquisa (zona de glaciar) ou no rifte (cicatriz de fratura terrestre) da dorsal atlântica.
A quase totalidade das nações denominadas ilustradas, por conseguinte perigosas, estão agrupadas no setentrião. Assim, está no pólo Norte o ponto mais vulnerável de nossa civilização.Para destruir a Urs um anjo exterminador burguês ou um exilado político siberiano deveria colocar seu rosário atômico entre as Espitsbergue e as Terras do Norte (Severnaia Zembla).
Não está excluído que a Urs levante contra ela a opinião do mundo livre até o ponto de suscitar um desejo de castigo. No entanto, havida conta da onda anti-EUA, medo, ódio e desaprovação, que há vinte anos submerge as Américas do Centro e do Sul, África, Ásia e Europa Oriental, Estados Unidos parece ser o mais indicado pra polarizar sentimento exacerbado.
Para castigar os ianques, que, no entanto, não são os únicos culpados, pra deter pelo absurdo a poluição exercida por suas películas, seu materialismo, seu delírio de hegemonia e seu paternalismo insensato, é possível que um muçulmano purista ou um africano lúcido se alce como justiceiro.Nessa eventualidade as bombas ficariam colocadas o mais próximas, com maior facilidade, no arredor da Groenlândia.
CHANTAGEM POR MEDO DA BOMBA ATÔMICA
Não seria o fim do mundo mas de Quebeque a Pernambuco, de Oslo a Dacar e de Gibraltar a Beirute, um colossal maremoto submergiria certas cidades costeiras, alagando dezenas ou centenas de milhões de homens e milhares de milhões de animais.
Banquisa do pólo Norte. Os lugares marcados com uma cruz seriam ideais pra fazer arrebentar bombas atômicas que empurrariam a banquisa no mar de Beloforte, o mar da Groenlândia e o oceano Atlântico ao oeste. Sobre as costas da Rússia e da Sibéria, ao leste. Até os 40° e 80° paralelos, a temperatura abaixaria entre 5° a 10°. Seria o desastre pra Estados Unidos e Urs, mas também, desgraçadamente, Escandinávia, Europa e Canadá. A banquisa do mar Glacial Ártico afluiria no mar de Barentes ao mar Branco e bloquearia a grande base soviética da península de Cola, onde estão habitualmente estacionados entre 50 e 100 submarinos e uma poderosa frota de superfície.
Os efeitos desse dilúvio teriam, sem dúvida, repercussão até no Pacífico e dele resultariam terríveis epidemias de peste, cólera e acidentes climáticos consideráveis que poderiam chegar até a glaciação temporária da Europa.A temperatura média nos Estados Unidos e Europa baixaria vertiginosamente entre 10 a 20 graus, impedindo o cultivo e a pecuária durante vários anos.
Cabe imaginar a amplitude de semelhante catástrofe que a humanidade, há 12.000 anos, sofreu pelo menos duas vezes, sem dúvida porque a civilização se aventurara por vias análogas às que agora seguimos.
Estamos neste ponto crítico em 1982.Homens (heróis ou criminosos) praticam a chantagem a base de bomba, explosivo convencional, com seqüestro...Palestinos desviadores de avião ameaçaram atirar bombas sobre Telavive...O último quarto do século XX estará dedicado à chantagem mediante a bomba atômica.É nossa opinião e também a de Alfredo Kastler, prêmio Nobel de física em 1966.
QUANDO O MUNDO SERÁ ILUMINADO
É o que também considera com sua ineficácia habitual a Organização das Nações Unidas.Mas o egoísmo, a sede de poder são mais fortes que o instinto de conservação, e a humanidade está irremediavelmente condenada no futuro.Viverá em termiteira, condicionada em bloco por um governo mundial fascista-comunista ou, então, arrebentará.
— Asfixiado pela falta de oxigênio. — Disse Alfredo Kastler, pensando na desaparição de nossos bosques e na contaminação do alto mar.
De qualquer maneira, um genocídio é inevitável até o ano 2.000, preconizam os pensadores, filósofos, físicos e biólogos do Comitê Pugwash, que se reuniu em 1977 nos salões da UNESCO.Os intelectuais, os pseudo-sábios, serão responsáveis por esse crime, do mesmo modo como o são das armas da megamorte e das 25.000 bombas H das que dispõem os dois ogros: Estados Unidos e Urs.No fim do século atual , mil milhões de ocidentais bem alimentados e providos serão atacados por cinco mil milhões de famintos do Terceiro Mundo.
Haverá que suprimir o excesso de dois a três mil milhões de indivíduos. Quais? Por qual meio?Será então, sem dúvida, quando a Super-Fênix e os foguetes atômicos adquirirão todo seu sentido...O mundo inteiro será iluminado.A menos que os ianques, os russos, os chineses, os cubanos. A menos que os patronos, os trabalhadores, os camponeses. A menos que os sábios e os ignorantes e todos os seres de má vontade não tomem consciência de sua responsabilidade, de sua culpa e por uma sublevação legítima da Natureza ofendida.
— Toda vossa agitação, vossas civilizações são vãs e ridículas! — Afirmam os sábios — É preciso construir Super-Fênix, as fábricas, os submarinos atômicos, fabricar bombas H e neutrônicas ou então retroceder e destruir nossa aquisição fenomenal de 10.000 anos de tentativa e de civilização. O que equivale ao mesmo.
Dito doutro modo: Os homens suicidarão ao rechaçar o progresso ou sucumbirão a seu veneno ao aceitar.É cara ou coroa.O momento chegou.Os fazedores de prodígio do século XX me seduzem, te seduzem, nos seduzem.
(Livro: Arquivos de Outros Mundos, de ROBERT CHARROUX - continua)