SISTEMA ENOCHIANO

INTRODUÇÃO

A primeira vez que ouvi falar no termo Magia Enochiana, senti um misto de mistério e pomposo ao mesmo tempo. O nome “Enochiano” já traz à mente Enoch (Enoque), um dos quatro personagens bíblicos que nunca conheceram a morte.

Isso por si só já garante grandes momentos de pura especulação e exercício mental. A mente humana é apaixonada pelo mistério. Seja de qual natureza for, o mistério é, em verdade, a fonte da motivação humana para viver. Logo, contato com seres de natureza espiritual, Anjos, Demônios, Elementais, sejam aquilo que forem, é o suficiente para acender no espírito humano uma chama.

Os quatro personagens são:

Enoque (ou Enoch) e Elias , que foram arrebatados por anjos aos céus;

Melquitsedec – o Rei de Salém, a quem Abraão paga o dízimo, conhecido por não ter pai nem mãe, não ter genealogia, nem começo e nem fim de vida, e

Maria , a Mãe de Jesus, que teria também sido arrebatada aos céus, sem conhecer a morte (essa última, não possui qualquer apoio bíblico, sendo fruto da mitologia católica romana). 

Costumo definir atualmente a Magia Enochiana como o sistema de magia elegante. A meu ver, os sistemas mágicos podem ser basicamente de 3 tipos com relação à sua apresentação estética:

Os chocantes – cujo objetivo é causar espanto pela prática realizada,normalmente, tendo como efeito básico a produção do medo; os harmoniosos – que buscam deixar tudo mais bonito, algumas vezes chegando a cair mesmo na pieguice; e os elegantes – onde não apenas há beleza, mas equilíbrio entre as partes e um forte apelo pela sofisticação e racionalização.
A Magia Enochiana pertence ao último grupo.

Da primeira vez que se realiza um ritual de Magia Enochiana, é comum ficar espantado com a quantidade de itens a serem observados pelo praticante. Rituais de Pentagrama, Hexagrama, evocações, palavras estranhas e uma caminhada específica sugerem a complexidade do sistema.

Alguns autores modernos sugerem o caminho da simplicidade.Mas nesse aspecto, devo fazer uma oposição baseada no simples fato de que certas coisas apenas são.

A simplicidade de uma margarida esconde na verdade sua imensa complexidade. Se desejamos conhecer o universo, por que economizar na passagem?

A Magia Enochiana, como um bom vinho, pede um acompanhamento à altura. Logo, só posso sugerir aos defensores da simplicidade extremista, que busquem sistemas que permitam misturar vinho com mortadela. Essas pessoas no final conseguem ao invés de uma simplicidade taoísta, um visual entre o brega e o preguiçoso.

A Magia Enochiana não foi pensada para ser simples. Foi pensada para ser prática e funcional, embora complexa. Como bem define Benjamin Rowe:

“Do ponto de vista de magistas humanos, creio ser melhor pensarmos na magia Enochiana como sendo uma ferramenta educacional; adaptada para treinar aqueles que estão passando pelo processo de evolução em deuses. (...) na medida em que se expandem as habilidades e a compreensão dos estudantes, o próprio sistema se expande em paralelo, abrindo novas esferas para exploração,eventualmente levando-os a domínios (reinos) que eles jamais poderiam imaginar no início dos seus trabalhos.” ···

O que mais impressiona com relação a esse sistema, é que seu criador nunca fez questão de divulgá-lo ou torná-lo público. Dessa atitude, podemos ter apenas duas deduções: que não havia outro interesse de Dee, além da busca por segredos espirituais, ou que o sistema não funcionaria. Minhas experimentações com a técnica são suficientes para argumentar que a primeira seria mais acertada.

Qualquer pessoa que se dedique ao estudo e prática do sistema poderá confirmar essa impressão por seus próprios esforços.

Depois da Morte de John Dee e Edward Kelly o sistema foi esquecido completamente, até os manuscritos terem sido descobertos sob o tampo de um baú. Uma parte desses manuscritos foi publicada por Meric Casaubon em 1659.

Depois disso o sistema passou praticamente 200 anos no esquecimento, sendo revivido pelo genial Mc Gregor Mathers, um dos fundadores da Hermetic Order of the Golden Dawn. Senão fosse a presença da Golden Dawn na história esotérica ocidental, talvez se passassem ainda outros 200 anos até alguém lembrar do sistema, isso se ele já não houvesse se perdido completamente.

Aleister Crowley foi outro dos usuários famosos do sistema. Seu trabalho, A Visão e a Voz – Liber 418, é um marco no estudo dos éteres , e suas influências se estendem em relação ao Tarot de Thoth e a rituais da O:.T:.O:., A:.A:., etc. Atualmente, só tenho notícia de 4 grupos que utilizam oficialmente o enochiano em suas práticas mágicas: A Hermetic Order of the Golden Dawn , Anton LaVey e sua Igreja de Lúcifer, A
Aurum Solis , e o Círculo Iniciático de Hermes.

Desde de 1902, a Golden Dawn se fragmentou em várias subordens e vários grupos que se utilizam do nome original. Embora todos se digam legítimos, na verdade, a Golden Dawn original, foi sepultada em 1902 com o caso da Madame Hórus.

Outros grupos como a O:.T:.O:. e a A:.A:. Por exemplo, usam apenas esporadicamente o enochiano e não possuem instrução formal sobre o tema.

O presente trabalho pretende apresentar o sistema de modo fácil e compreensivo para os estudantes que tencionam começar o estudo de tais práticas. Portanto, vamos nos utilizar basicamente de duas fontes: os trabalhos de Donald Tyson e Benjamin Rowe.

O primeiro possui um trabalho mais acessível, embora em alguns momentos seja um tanto paranoico com relação à função dos Anjos Enochianos e da aplicação do sistema.

O segundo autor, possui um trabalho muito mais técnico e profundo, embora nem todos os iniciantes se sintam à vontade com o material.

Optei por ambos, pois o restante dos autores disponíveis atualmente, apenas repetem o sistema da Golden Dawn, ou tentam fazer um aprendizado de enochiano em 10 lições.

É desnecessário dizer que não há como escapar totalmente do método da Golden Dawn, pois por mais que eles tenham suprimido totalmente o sistema que trabalha com a Heptarchia,por outro lado,criaram as viagens nas pirâmides enochianas,  desenvolvendo ainda uma analogia profunda com Astrologia, Qabalah e Tarot aliados ao sistema enochiano. Isso teve profunda influência nos praticantes mais recentes do sistema.

Aleister Crowley acabou por seguir os passos da Golden Dawn e optou por trabalhar com os éteres enochianos, como pode ser avaliado em Liber 418 e no Liber LXXXIV - Chanokh.

Ambos, tanto a GD como Crowley, acabaram por subverter o trabalho com os éteres enochianos. Como na ocasião, as únicas referências ao sistema eram as notas de John Dee, Casaubon e Elias Ashmole, Mathers acabou por praticamente recriar o sistema de acordo com aquilo que entendia como correto baseado nessas indicações. Crowley, por sua vez, apenas anotou o sistema, sem nada acrescentar de realmente importante ao mesmo.

Outro item que normalmente é motivo de preocupação para os estudantes de Magia Enochiana, é a correta pronúncia da famosa linguagem Angélica. Apesar de Dee não deixar notas realmente esclarecedoras sobre a pronúncia correta, existem atualmente vários estudos sobre essa linguagem. Baseado nesses estudos apresento uma versão adaptada para o estudante de língua portuguesa.

Apresento também um método novo de scrying na bola de cristal,que desenvolvi especificamente para o Círculo Iniciático de Hermes,visando dar uma utilidade a mais à técnica, permitindo aos estudantes não apenas um contato com seres espirituais, mas também com outros praticantes.

No que diz respeito às tabelas e assinaturas angélicas, optei por usar as versões originais do sistema de Dee, corrigidas pelo anjo Rafael, e corrigi ainda as assinaturas oferecidas por Crowley e Regardie nas suas obras, pois encontrei em ambos os casos, uma ou duas assinaturas incompletas.

E por fim, acrescento para facilitar o uso das Chamadas Angélicas, uma tabela visual das regiões regidas por elas, para que o estudante possa ter uma leitura espacial de onde elas se encaixam na Grande Tabela da União. E junto à tabela, um guia resumido para o uso de cada Chamada.

Dito isso, creio que a única coisa que resta, é permitir que o estudo prossiga, orientando e ajudando os estudantes a encontrarem o melhor meio de começarem suas práticas nesse sistema.

Durante todo o tempo desta introdução usei expressões na primeira pessoa, porque acredito que o sistema depois de algum tempo de prática se torna uma forma individual de se trabalhar a própria evolução espiritual. E durante a exposição deste trabalho, voltarei a usar essa forma, como forma de aproximar mais o estudante da própria experiência em si, conforme foi vivida, ou quando for necessário chamara atenção para algo distinto. E conforme será comentado no local devido, o sistema em si,permite ao estudante dedicado, que este evolua até a condição de tornar-se um deus.

Alguns praticantes ainda sugerem que o uso de toda a tabela e dos éteres enochianos, leva o estudante a uma evolução espiritual ímpar, galgando a evolução como se estivesse sob os auspícios de uma ordem esotérica, onde os mestres serão nada menos que os seres evocados.

Logo, o sistema de Magia Enochiana é uma ferramenta de desenvolvimento espiritual individual que em última análise, dispensaria qualquer outro complemento. Apesar de não concordar integralmente com essa afirmação, posso dizer que ela é em grande parte verdadeira, e que o erro que muitas pessoas fazem ao estudar enochiano é justamente tentar se arvorar em técnicas como qabalah, magia cerimonial e astrologia, sendo que o enochiano é o sistema elevado ao estado da arte no que se refere à prática mágica. Ou seja, o sistema, apesar de poder ser equiparado a outros, não precisa destes para surtir efeitos.

Utilizar o enochiano apenas como extensão de outros sistemas, é tentar limitar aquilo que é ilimitado por natureza. Pois a Magia Enochiana é em si mesmo, um reflexo não somente do universo, mas é o próprio universo a ser trabalhado pelo magista.

Deixo agora que o sistema fale daqui por diante aquilo que as palavras não podem expressar per se .

Aos estudantes faço votos de boas práticas, e aos praticantes votos de sucesso.

(Continua)