21 de fevereiro de 2013

A ÁRVORE DA VIDA-Um Estudo Sobre Magia XV



Capítulo XI

Um dos mais potentes auxiliares da invocação e um elemento essencial ao sucesso de toda operação mágica é o assumir astral da forma ou máscara pela qual um deus passou a ser conhecido convencionalmente e é retratado pictoricamente. O sr. François J. Chabas no seu livro, agora esgotado, Le Papyrus Magique Harris, apresenta uma informação muito significativa que dificilmente pode ser encontrada alhures sob forma definida, a saber, que a mais poderosa fórmula mágica conhecida dos sacerdotes das castas do antigo Egito era a identificação do executante do ritual em imaginação com a divindade que ele estava invocando. Jâmblico afirma que “o sacerdote que invoca é um homem, mas quando ele comanda o poder é porque através de símbolos arcanos ele, num certo aspecto, é investido das formas sagradas dos deuses”.

Se a frase “num certo aspecto” indica a fórmula na iminência de ser considerada é um problema que pode ser deixado em aberto, embora possa bem ser o assumir da forma divina ao que ele esteja se referindo. Esparso aqui e ali ao longo do Livro dos Mortos em alguns dos rituais e hinos aos deuses apura-se que o escriba do livro se identifica com eles. Há numerosos exemplos de versículos em separado que confirmam essa crença. “Eu me uni aos macacos divinos que cantam na aurora e eu sou um ser divino entre eles.” No capítulo 100 o versículo “Fiz de mim um contraparte da deusa Ísis e o poder dela (khu) tornou-se forte” pareceria definitivamente apoiar essa tese, que ganha confirmação adicional a partir de outras fontes, segundo as quais o assumir da forma divina constitui um dos mais importantes fatores a serem observados na magia egípcia.

Recordando tudo que foi postulado relativamente à natureza plástica e magnética da luz astral, tanto em seu aspecto inferior quanto superior, e a potencialidade criativa da imaginação treinada, bem como a observação feita por Lévi referindo-se ao corpo astral de que “ele pode assumir todas as formas evocadas pelo pensamento”, o aprendiz deverá dedicar-se ao estudo das formas convencionais como os deuses são retratados. Eu me estendi um pouco num capítulo anterior na descrição sumária das formas e algumas características filosóficas dos deuses mais importantes ligados à Árvore da Vida a fim de simplificar as exigências do leitor em geral. A experiência tem demonstrado aos teurgos ocidentais que as representações pictóricas dos deuses egípcios são perfeitas para o objetivo dessa prática em particular – mais do que as da Índia – e encerram em si mesmas um sistema de simbolismo sumamente maravilhoso e recôndito.

As formas desses poderes universais e essências inteligentes cósmicas, que as castas sacerdotais do Egito chamavam de deuses, permaneciam cada uma completa por trás de uma máscara humana ou animal, todo atributo sendo simbolizado por algum emblema ou ornamento artístico. A divindade de um deus era simbolizada pelo tipo e os emblemas, a cobertura de cabeça como a serpente Uraeus ou o disco do sol nascente, ou as plumas duplas da Verdade, divina e mundana. Havia a representação de poderes pelo bastão da íbis, o cetro ou a Ankh segura na mão do deus. E ainda outros símbolos portados pelo deus eram sugestivos de sua capacidade de proporcionar ressurreição ou renascimento, autoridade e poder, êxtase ou estabilidade, ou representativos de algum modo de função particular na economia cósmica. A forma convencional do deus resume assim de uma maneira espantosa um vasto agregado de idéias, lendas e mitos, sintetizando ao mesmo tempo forças especiais da natureza ou, talvez, poderes inconscientes na constituição espiritual do homem.

À guisa de exemplo do procedimento a ser seguido para a aplicação dessa hipótese, suponhamos de momento que a tarefa que temos é a invocação e a identificação da consciência humana com a divindade, ou aspecto da vida cósmica, conhecida como Ra – a divindade que habita o sol. Inicialmente, o mago se ocupará da incumbência de descobrir tudo o que for possível sobre a natureza do deus. As lendas que se desenvolveram em torno do caráter do deus devem ser minuciosamente analisadas porquanto é notório que nas lendas e mitos fantásticos de outrora muito conhecimento espiritual e sabedoria estão encerrados. Além disso, a lenda vinculada a um deus específico indicará aspectos da natureza e o temperamento ideal da divindade, sugerindo também vários poderes na personalidade divina sobre os quais o aprendiz jamais suspeitara antes.

O perigo da magia, ao menos um dos mais sérios, é uma ocupação imprudente de uma certa parte da técnica teúrgica, uma compreensão real dos processos executados e dos princípios filosóficos da prática. Que o aprendiz, portanto, atinja uma compreensão mais ou menos completa, na medida do possível, do que ele está desejoso de se tornar, de qual força ou poder espiritual ele deseja invocar; e então, estando certo e mentalmente bem informado, que prossiga.

Um tal trabalho informativo como The Gods of the Egyptians, de Sir E. A. Wallis Budge, antigo zelador das Antigüidades egípcias do Museu Britânico, será marcantemente útil. A partir das lâminas em autotipia aí existentes e das lâminas coloridas no livro mencionado ele deverá familiarizar-se com a configuração e a forma do deus, as posturas nas quais o deus é comumente retratado, os gestos costumeiramente empregados e as cores utilizadas na tradução artística. Esta leitura pode também ser suplementada por uma visita às galerias egípcias do Museu Britânico ou qualquer outro. O leitor será, posso garantir, bem recompensado.

Com todos esses fatos na memória, o aprendizprocederá à fase mais difícil do trabalho, a qual consiste da aplicação da imaginação e da vontade, treinadas por suas prévias práticas. Em seu trabalho – não necessariamente cerimonial – ele deverá se empenhar em construir diante do olho de sua mente uma perfeita imagem ou máscara do deus. A forma tem que se projetar ousada e claramente na visão da imaginação, gigantesca, resplendente e irradiando a luz do sol espiritual, do qual Ra é o símbolo esotérico convencional. Ele perceberá que o deus porta um bastão com cabeça de íbis na mão esquerda, sendo a íbis o símbolo da sabedoria e da vontade divina; na sua mão direita é sustentado o Ankh, símbolo de luz e vida as quais o sol, por dias e anos, através de séculos incontáveis, concede livremente a toda a espécie humana e a todas as suas criaturas na Terra. Sobre sua cabeça, fazendo as vezes de uma coroa, está um halo, uma auréola dourada de inimitável esplendor, confrontada por uma serpente Uraeus insuspensa, o símbolo do fogo espiritual interior.

Retratada como um falcão cuja cabeça é cor de laranja, a nêmise do deus desce do azul escuro da coroa, quase preto, no matiz a cor do símbolo Tattva do espírito; e a pele do deus é flamejante como o fogo do sol do meio-dia. Esses detalhes devem então ser aplicados ao simulacro retido firmemente na mente até que sejam vistos diante da alma viva como uma imagem dinâmica de Ra, uma imagem na qual não resida qualquer traço de imperfeição. É uma tremenda tarefa de imaginação criadora, e árdua. Mas dia após dia tem que ser continuada com ardor e devoção até a tarefa sagrada ser consumada e, completo e fulgurante o deus se mostra, um deus em verdade para seu devoto. Com essa imagem mantida firmemente na luz astral, o teurgo deve se empenhar para envolver sua própria forma com o abrigo do deus e em seguida unir-se à forma que o encobre.

Segundo afirmação de Lévi já citada anteriormente, o corpo astral assumirá a forma de qualquer pensamento poderoso que a mente evocar. Essa efígie astral do deus, anteriormente apenas uma imagem externa ao corpo do teurgo, deve agora ser organizada como uma figura divina em torno de sua própria forma astral até que coincidam seu próprio corpo de luz sendo alterado e transmutado no corpo do deus. Somente quando o teurgo realmente sentir o formidável influxo de poder espiritual, a aquisição da força e energia solares e iluminação espiritual, somente quando ele souber na intuição do transe deífico que a identificação foi concretizada, estará a tarefa de criação completa. “As imagens dos deuses”, escreve Jâmblico, o divino teurgo, “são repletas de luz fúlgida...” e “o fogo dos deuses, realmente, fulgura com uma luz indivisível e inefável, preenchendo todas as profundezas do mundo” de uma maneira celestial empireana. Relativamente ao teurgo ou rei-sacerdote do Egito que executara essa excelente combinação das essências com a glória do deus do sol, há uma descrição sob a forma de uma alocução citada por G. Maspero, o egiptólogo, mostrando o poder do espírito que se consagrou pelo voto como resultado da identificação.

A alocução é a seguinte: “Tu te assemelhas a Ra em tudo o que fazes. Portanto os desejos de teu coração são sempre satisfeitos. Se desejares uma coisa durante a noite, na aurora ela já estará disponível. Se disseres ‘Subam às montanhas’ as águas celestiais fluirão pela tua palavra. Pois tu és Ra encarnado, e Kephra criado na carne. Tu és a imagem viva de teu pai Temu, Senhor da cidade do sol. O deus que comanda está em tua boca e um deus senta-se sobre teus lábios. Tuas palavras são cumpridas todas os dias e o desejo de teu coração realiza a si mesmo como o de Ptah quando ele cria suas obras”.

Simultaneamente ao processo de unificação com o corpo do deus se revelará como de grande ajuda a recitação de uma invocação, um peã lírico ou ditirambo entoando louvores ao deus, delineando a natureza e as qualidades espirituais do deus no discurso. Se o aprendiz tiver habilidade no escrever não enfrentará grande dificuldade. Por outro lado, uma tal litania poderia muito facilmente ser construída a partir dos hinos órficos, ou da coletânea de textos líricos incluídos no Livro dos Mortos, o qual está repleto de alguns dos melhores exemplos de rituais existentes. Em suma, a invocação do deus deve ser expressa numa linguagem que tenda a produzir júbilo mental e êxtase. A seguir transcrevemos um exemplo, adaptado do Livro dos Mortos, de um tal ritual, embora não seja aqui dado como exemplo para ser rígida e servilmente imitado, mas apenas como sugestão e talvez ajuda ao aprendiz sincero.

“Homenagem a ti, ó Ra, no teu formoso nascer. Tu nasces, tu brilhas na aurora. A companhia dos imortais te louva ao nascer e ao pôr-do-sol, quando à medida que teu barco matutino se encontra com teu barco do anoitecer sob ventos propícios, tu velejas sobre as alturas do céu com um coração jubiloso. Ó tu uno, ó tu perfeito, ó tu que és eterno, que jamais és fraco, que nenhum poder é capaz de rebaixar, ó tu esplendor do sol do meio-dia, sobre as coisas que pertencem à tua esfera nenhum possui em absoluto qualquer domínio. E assim a ti presto homenagem. Todos salvem Hórus! Todos salvem Tum! Todos salvem Kephra! Tu grande falcão, que por teu rosto formoso produzes o regozijo para todos os homens, tu renovas tua juventude e com efeito pões a ti mesmo no lugar de ontem. Ó, jovem divino, autocriado, auto-ungido, tu és o Senhor do Céu e da terra, e criaste seres celestiais e seres terrestres. Ó tu, herdeiro da eternidade, regente perpétuo, auto-sustentado, quando tu nasces teus raios benevolentes estão sobre todos os rostos e moram em todos os corações. Vive tu em mim, e eu em ti, ó tu, falcão dourado do sol!”

Com a recitação de cada ponto da invocação, proferido com entonação e intento mágicos, obtém-se em pensamento uma intensa compreensão da significação das palavras. À medida que o teurgo brada “Tu brilhas na aurora”, a forma astral do deus deve ser vista e realmente sentida com os sentidos emitindo uma refulgência diante da qual o mais claro brilho do sol do meio-dia pareceria trevas, uma luz tão nítida e aguda, e rica de brilho e glória dourada que sua essência inundaria com grande sutileza o coração, a mente e a alma. E quando o mago profere “Vive tu em mim, e eu em ti, ó, falcão dourado do sol”, o processo da identificação com a forma astral deve ser realizado e compreendido o mais vividamente possível.

Enquanto o mago não for capaz de efetuar perfeitamente o trabalho criativo da imaginação, todos os esforços só poderão ser classificados simplesmente como prática. O teurgo saberá que seus esforços foram coroados pelo êxito mediante sinais infalíveis dentro de sua própria consciência e a aceleração de uma vida nova. Nele e em sua alma o deus buscará sua eterna morada. No interior do coração haverá um santuário e uma habitação serena de uma força espiritual tremenda, uma consciência divina que nele viverá duradouramente, transformando o filho da terra em um verdadeiro filho do sol eterno. “Pois como as trevas não estão adaptadas para a sustentação do esplendor da resplandecente luz do sol, tornando-se de súbito totalmente invisíveis, retrocedendo por completo e imediatamente desaparecendo, assim também quando o poder dos deuses, que acumula todas as coisas de bem, brilha copiosamente, nenhum lugar é abandonado ao tumulto dos espíritos malignos*.”

Assim ensinaram os magos da Antigüidade. Os esforços modernos confirmam reiteradamente seus ensinamentos e experimentos. Dessa maneira, expandindo a si mesmo a uma grandeza incomensurável unindo-se à grandeza dos deuses, o teurgo salta como o bode montês além de todas as formas para idéias e essências que residem no cume da manifestação, e transcendendo o tempo se torna eternidade e infinidade. Assim, “a partir da súplica somos em breve conduzidos ao objeto da súplica, adquirimos sua semelhança a partir da conversação íntima e gradualmente obtemos perfeição divina, em lugar de nossa própria imbecilidade e imperfeição**. O teurgo se tornará mais elevado que a altura nessa perfeição, mais profundo na força de seu fundamento do que as profundidades mais baixas, uma parte integral da criação universal de imediato não gerada, jovem, velha, auto-existente e imortal. Aquilo que outrora era grosseiro se torna despido de toda sua trivialidade sensual para assumir uma beleza fascinante, apaixonadamente seleta, como se furtada do espírito. Dentro de si faculdades espirituais latentes e que desabrocham serão sentidas e a débil memória da experiência ganha ao longo do tempo desde muito pretérita e morta, gradativamente surgirá para iluminar a mente e pulsar novamente no coração, expandindo o horizonte da consciência. E assim hoje seus pés pisam aquele lugar que ontem, quando contemplava a augusta natureza do trabalho, seu olho mal podia ver. Além dele, no invisível, estará seu sítio de repouso do dia seguinte. E ele será como diante do próprio Ra, um sol de luz, brilho e alimento celestial para todos aqueles com os quais ele entra em contato cotidiano. Sobre o pequeno bem como sobre o grande, sobre o elevado bem como sobre o baixo, não menos sobre o pobre do que sobre o rico seu auxílio descerá, mesmo além dos limites extremos do espaço.

CAPITULO XII

Como um dos pré-requisitos fundamentais do treinamento mágico, seja no ramo da goécia, seja no ramo que diz respeito à invocação do eu superior e às essências universais, todos os tipos de magos apontaram insistentemente ao longo das eras a pureza de vida, a acompanhar toda prática teúrgica e cerimonial. Parece ser repetido por quase toda autoridade, dogmaticamente e com certeza por alguns, um tanto vagamente por outros que passam adiante o que eles próprios receberam meio compreendido e meio compilado de seus antepassados. Todos concordam, no entanto, que na busca das artes mágicas é mister que haja pureza e santidade. É meu desejo investigar sobre o significado dessa “pureza”. Não desejo, porém, entrar numa discussão de ética e moral, pois essa me distanciaria do assunto da magia, e eu propositadamente me contenho aqui de tocar nessa matéria controvertida que parece ter criado mais confusão e diferença de opinião do que quase qualquer outra.

No que a pureza diz respeito à magia, todavia, o aprendiz pode se assegurar quanto à verdade dessa única afirmação, atribuindo ao resto qualquer interpretação de moral que preferir. A totalidade da vida de alguém deve apontar para uma direção e ser concentrada e devotada a um conjunto de objetivos. Quando dizemos, por exemplo, que o leite ou a manteiga é puro ou pura, o que queremos dizer com tal afirmação? Apenas isto: ao leite ao qual nos referimos não foram acrescentados nenhuma água ou produtos químicos ou quaisquer outras substâncias estranhas, e a totalidade de seu teor é conforme o ingrediente principal. Bem, a pureza da vida mágica deve ser considerada exatamente da mesma maneira.

A vida do mago tem que ser acima de tudo eka-grata, de um único direcionamento, e a soma total de seus pensamentos, emoções e ações, quaisquer que sejam, deve sempre ser constituída para interpretar e dar ímpeto à aspiração espiritual. Qualquer que seja a virtude que a moralidade possa deter em si mesma, e no caso de alguns indivíduos ela é prenhe de possibilidade divina, encontra-se completamente fora da esfera do mago. Não há dúvida que uma pessoa que foi iniciada num mistério espiritual e que foi abençoada pelo influxo do eu seja provavelmente moral simplesmente porque estará doravante em harmonia consigo mesma. Um tal ser humano, por um impulso natural, está geralmente também em harmonia com os outros seres humanos. Mas o místico ou o mago não são necessariamente homens morais em nenhum sentido convencional.

Isso quer dizer que não devemos de maneira alguma esperar que o mago, mesmo quando fundamentalmente em harmonia com seus semelhantes, esteja necessariamente em harmonia com as leis morais e éticas de seu tempo. A moral, em síntese, nada tem a ver com a magia. Essa idéia foi claramente expressa por Waite, que em seu Studies in Mysticism sugere que “O objeto da religião é o desenvolvimento e a perfeição da humanidade por meio de uma série de processos espirituais e sua união com o que é o mais elevado no universo, enquanto que a moralidade propõe o melhoramento da raça apenas com a ajuda da lei natural... Precisamos conhecer Deus para sermos bons, mas nenhuma bondade moral pode nos conduzir ao conhecimento divino... “No que concerne ao mago, só isto é importante. Seja lá o que esteja fazendo, comendo, bebendo ou trabalhando, essa ação tem que ser transfigurada num símbolo e dedicada ao serviço daquele ideal entesourado acima de toda riqueza e outros valores em seu coração. Sua vida inteira deve ser uma contínua concentração, caso contrário todo seu treinamento em Dharana e o desenvolvimento da vontade mágica terão sido um completo desperdício; tanta energia inútil jogada fora tal como num monte de poeira se ele não trouxer essa concentração e essa atitude sacramental à premência da vida diária.

O ideal que para o mago constitui seu maior tesouro e para o qual todo o conteúdo das atividades de sua vida é dirigido é a recuperação do conhecimento de seu Santo Anjo Guardião, o Augoeides, aquela parte mais nobre de sua consciência que é real, permanente e a fonte generosa, imorredoura de inspiração e sustento espiritual. Daí existir, na realidade, um perfeito ritual em magia; uma meta que tem primazia sobre todas as outras: a invocação do Santo Anjo Guardião, união que deve, inclusive, preceder as invocações dos deuses ou das essências universais, seguindo-se o procedimento formulado por Jâmblico.

A alma busca primeiramente e entrega sua vida ao governo de seu daimon, sob cuja orientação os próprios deuses podem ser suplicados; e deles procedendo o retorno deve ser feito para a Suprema Mansão do Repouso. Mas a invocação de Algoeides precisa ter precedência a todas as outras. Caso se julgue necessário executar qualquer operação auxiliar antes desta para o Conhecimento e Conversação do Santo Anjo Guardião, é forçoso que se trate de um propósito bem definido. O motivo, espiritual é claro, é que tal operação constitua um passo preliminar para a possibilidade e sucesso do ritual principal. Entretanto, nos melhores sistemas de magia, as evocações são sempre representadas seguindo-se à consecução maior da invocação das grandes forças da vida cósmica ou o daimon interior, o Santo Anjo Guardião, embora essa última receba primazia, como foi afirmado.

A união com os deuses e Adonai é buscada por meio de amor, e a união das essências é efetivada pelo ceder do ego e a renúncia espontânea de tudo que é mesquinho, pequeno e irrelevante. A invocação suprema implica, acima de todas as outras coisas, o sacrifício do apego às coisas mundanas. Do mesmo modo que alguém que, ingressando no interior do ádito celestial deixa atrás de si todas as estátuas do templo externo, ou do mesmo modo que aqueles que entram no santuário interno do Santo dos Santos purificam a si mesmos, pondo de lado suas vestes para entrarem nus e não envergonhados, a alma deverá avizinhar-se de sua meta. Na operação de Abramelin, que brevemente descreveremos, o procedimento a ser seguido é bastante similar. Primeiramente o Anjo é invocado numa câmara especialmente consagrada e depois do atingimento o Anjo concede ao mago instruções especiais e autoridade que dizem respeito à evocação dos Quatro Grandes Príncipes do Mal do Mundo.

O resultado da invocação do Santo Anjo Guardião não é idêntico para todas as pessoas. Adonai aparece de várias maneiras e sob diversas formas, em conformidade com o indivíduo. “Além disso...”, afirma também Jâmblico, “...as dádivas provenientes das manifestações não são todas elas iguais, nem produzem o mesmo fruto. Porém a presença dos deuses, realmente, concede-nos saúde do corpo, virtude da alma, pureza do intelecto e, em uma palavra, eleva tudo em nós ao seu adequado princípio*.” Seja o que for que o homem prezou durante sua vida e qualquer que tenha sido a concepção de seu Anjo à qual aspirou, assim será o resultado do casamento místico. Seus rebentos serão compatíveis com seu amor.

Cada estudante, à medida que ascender ou ingressar no místico Monte Abiegnus dos Rosacrucianos,verá diante de si estirando-se adiante no longínquo horizonte da santa terra da esperança, exatamente aquele panorama que existia potencialmente dentro dele antes da visão fazê-lo nascer, pois o monte é um símbolo daquele pico da alma quando interiorizada em si mesma aproxima-se de sua raiz divina. Então memória e imaginação são penetradas e inspiradas com o formidável fulgor de uma natureza diversa e superior. O que for que estiver embrionário no interior de Ruach salta para a vida através da ação e fogo de Adonai. Nossa inspiração será semelhante à aspiração e o tipo de gênio que será manifestado ao mundo sucedendo-se à união mística pode ser poético, artístico, musical ou qualquer outra manifestação reconhecida.

Lembro-me de uma passagem em algum dos Upanishads que aborda esse mesmo tema. Se alguém se aproxima do eu que é Brahma acreditando que ele é poder e força, esse alguém se torna poder e força. Que se aproxime, contudo, dele vendo em sua majestade conhecimento e sabedoria superiores e, conseqüentemente, se torna repleto da sabedoria do eu. E se aspirar a ele como o criador de uma canção, do mesmo modo se torna o cantor. Em outras palavras, como o teurgo concebeu ser em imaginação o seu anjo, precisamente nessa forma o anjo se manifestará, brotando da mais profunda fonte do ser dentro do coração como revelação e inspiração. Caso haja aspiração para o anjo exclusivamente como o símbolo do amor, da paz e da bondade, Adonai mostrará ao mundo esse amável e benigno aspecto. São Francisco de Assis é o exemplo mais marcante do primeiro caso, como é Buda, que aspirou à sabedoria que o capacitasse a descobrir para a espécie humana a solução de suas infelicidades e dores, o símbolo do segundo caso. E isto supre a resposta à pergunta: “Se o misticismo e a magia dotam um homem de gênio, como explicar que tantos místicos e magos bem-sucedidos parecem não manifestar uma única centelha de gênio?” É porque a aspiração deles foi uma aspiração humilde. Converter-se numa grande figura na Terra não constituía o desejo deles, nem tampouco aspiravam a qualquer uma das formas da arte. Fizeram de suas vidas uma sublime obra de criação artística e aplicaram suas inspirações à marcha da vida cotidiana, apresentando-se tão-só como homens e mulheres humildes de ar e aspecto gentis. Mas como o Eremita encapuzado e togado do tarô trazem a luz do anjo dentro de si, secretamente, de maneira que todos com os quais entram em contato dia após dia possam ser abençoados com o amor de Adonai e mais impressionados pela santidade do espírito e a pureza de sua efulgência do que com sua própria realização pessoal. Essa é a chave, pois quando se ora com fervor ao Santo Anjo Guardião, como a aspiração secreta da alma terá sido, o anjo se apoderará dessa vontade no êxtase de ventura que arrebata a alma para longe a fim de comunicar sua manifestação ao mundo.

Um dos melhores sistemas técnicos que conduz à comunhão com o daimon é exposto num certo livro medieval de magia que, comparado com todos os outros, é como o sol do auge do dia diante de uma débil luz bruxuleante à noite. A maioria dos velhos engrimanços e livros de magia tais como O Pequeno Alberto, O Dragão Vermelho e o Enchiridion são propositadamente ininteligíveis, ambíguos, ou mais, à parte de todas as questões de simbolismo oculto, disparate pueril. Aqueles que são honestos e de regra funcionais, contêm seções indesejáveis que se adequam mais às aspirações de um camponês apaixonado e de nativos ignorantes do que às aspirações de gente educada animada de propósitos sérios. Mas há em relação a todos esses uma extraordinária exceção. A regra geral é rompida pela existência de O livro da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago*.

Escrito num estilo de exaltação, esse livro é perfeitamente coerente e harmonioso; não requer fantásticas minúcias ritualísticas e nem mesmo os cálculos costumeiros de dias e horas. Não há nada em absoluto que insulte a inteligência. Pelo contrário, a operação proposta por esse autor de magia constitui a apoteose da simplicidade, o próprio método estando em inteiro acordo com isto. Há, naturalmente, certas prescrições e regras preliminares a serem observadas, mas elas realmente não passam de recomendações de bom senso no sentido de acatar a decência na execução de uma operação tão augusta. É preciso, por exemplo, dispor de uma casa onde medidas adequadas contra distúrbios possam ser tomadas; isso providenciado, restará pouco mais a fazer exceto aspirar com crescente concentração e ardor durante seis meses pelo Conhecimento e Conversação do Santo Anjo Guardião.

O próprio livro é um dos mais extraordinários documentos de magia existentes atualmente e o sistema que é nele ensinado para entrar em comunhão com o eu interior, ou o Santo Anjo Guardião, é entre todos os sistemas de magia talvez o mais simples. Acima de tudo é eficaz. O livro é composto de três partes, a primeira contendo conselhos gerais relativos à magia e uma descrição das viagens e experiências do autor, bem como a indicação de obras maravilhosas que ele fora capaz de realizar por meio da técnica em pauta. Segue-se então uma descrição geral e completa dos métodos de obtenção da crise estática da operação e o estilo do livro neste ponto difere de maneira salutar dos capítulos anteriores bem como dos subseqüentes. A última parte trata dos métodos de aplicação dos poderes que são conferidos mediante a consumação da operação. O sistema é descrito por um certo Abraão, o Judeu, ao seu filho mais jovem, Lamech, e ele afirma em primeira instância tê-lo recebido de um mago egípcio chamado Abramelin. Abraão, o Judeu, é uma figura vaga e sombria, desconhecida e reservada por trás das tremendas complicações da sublevação da Europa central nos seus dias, quando aquela parte do mundo se achava mergulhada num amplo conflito.

A história de Abraão tal como contada por ele mesmo na primeira parte do livro é, na verdade, simples. O que impressiona, entretanto, é a tremenda simplicidade da fé desse homem, que tem como testemunho suas muitas e perigosas viagens por tantos anos através de regiões inóspitas e selvagens, de difícil acesso mesmo atualmente mediante nossas facilidades de transporte. Nesta parte do livro são relatados seus fracassos e esperanças frustradas, além de alguns becos sem saída pelos quais ele foi conduzido, até o clímax de suas viagens quando conheceu Abramelin, o mago egípcio, que lhe conferiu as instruções que constituem a principal ou segunda parte do livro. Em conformidade com os costumes de seu próprio povo, Abraão, o Judeu, instruiu seu filho primogênito na filosofia da Santa Cabala e ao seu filho mais jovem, Lamech, transmitiu este sistema de magia. Independentemente de sua origem, de sua data e de sua autoria, que são no presente objeto de polêmica e crítica, esta obra não deixa de ter valor para o aprendiz sincero, seja como um encorajamento para aquela qualidade sumamente rara e necessária – fé inabalável, ou como apresentadora de um conjunto de instruções pelas quais se distingue os sistemas mágicos verdadeiros dos falsos.

Abraão não faz exigências impossíveis como aquelas que são percebidas em engrimanços fraudulentos, a respeito do sangue de morcego apanhado à meia-noite, a quarta pena da asa esquerda de um galo completamente preto ou o olho recheado de um basilisco virgem e assim por diante. Embora talvez algumas das exigências estabelecidas por Abraão sejam um pouco difíceis de serem atendidas, há sempre uma razão excelente para apresentá-las e não significam absolutamente testes sutis à habilidade do operador. Tivesse S. L. McGregor Mathers nada mais feito em prol da humanidade exceto a tradução desse livro a partir de um manuscrito em francês, colocando assim seu teor à disposição dos aprendizes interessados, e já mereceria nossa gratidão. Devo acrescentar, a propósito, que sua tradução é ótima, coerente e capaz de expressar de maneira harmoniosa o pensamento do escritor medieval. É somente porque esse livro de suma importância tem estado esgotado por tantos anos, sendo sua obtenção tão difícil atualmente, que eu ouso oferecer aqui um resumo da operação proposta pelo livro.

No início Abraão adverte seu filho contra os impostores. Este mago, como muitos de nossos coevos modernos, era injusto no sentido de considerar qualquer um que não utilizasse seu próprio sistema um charlatão, muito embora seja provável que em sua época houvesse tanta necessidade de rigorosa advertência contra charlatães quanto há hoje. Ele então formula a regra segundo a qual a principal coisa a ser considerada é “...se gozais de boa saúde, porque o corpo estando fraco e insalubre está sujeito a variadas enfermidades, o que acaba por resultar na impaciência e falta de poder para trabalhar e prosseguir na operação; e um homem enfermo não pode ficar limpo, ou puro, nem gozar de solidão, e em tal caso, é melhor desistir.”

O período verdadeiro, quer dizer, mais conveniente para o começo desta operação, um período em que todas as forças da natureza se encontram propícias ao esforço, é o primeiro dia após a celebração da festa da Páscoa, precisamente no período do equinócio primaveril. É então que o sol inicia sua viagem rumo ao norte, trazendo consigo luz, calor, sustento e graça e a totalidade do mundo vivo, plantas, árvores, aves e animais respondem à sua ressurreição ansiosa e jubilosamente. Trata-se assim da estação mais apropriada para crescimento ascendente e desenvolvimento interior, bem enquadrados ao crescimento e à manifestação do espírito. O tempo necessário para que se conduza a operação a uma conclusão bem-sucedida é seis meses lunares, de modo que se for começada em 22 de março findaria em torno do equinócio outonal em setembro. O período total de seis meses é dividido em três períodos definidos de dois meses cada, cada um destes sendo caracterizado pelo rigor de auto-negações, mas principalmente pelo acréscimo de invocações adicionais, tornando assim a concentração no Santo Anjo Guardião mais intensa e fervorosa.

Há muita discussão de início quanto à natureza do cenário da operação. Se possível, deve ser realizada no campo, onde se pode obter efetiva solidão. Digo “solidão efetiva” deliberadamente já que, como todos sabem, é possível isolar-se no coração de uma grande cidade do resto do mundo simplesmente pelo recolhimento. A solidão que este livro sugere é um retiro físico da vida fervilhante da cidade, mencionando-se que Abraão, Moisés, Davi, Elias, João e outros homens santos se retiraram para locais ermos até terem adquirido esta ciência santa e a magia. O melhor local, sugere Abraão, “...onde houver um bosque, no meio dele fareis um pequeno Altar, e cobrireis o mesmo com uma cabana (ou teto) de pequenos galhos, de modo que a chuva não possa cair nele e extinguir a Lâmpada e o Turíbulo”. Se o recurso a um sossegado bosque for impossível, outras sugestões são apresentadas. Todas as obras de magia insistem que muito cuidado e discernimento devem atender à escolha de um local apropriado para se proceder a essas operações.

Além das instruções acima expostas, o mago deverá certificar-se de que o teatro de magia que escolheu não está situado num lugar onde feitiçaria, por exemplo, foi praticada e que não foi empregado para sessões espíritas. Deve ser absolutamente óbvio que como um dos resultados da magia é tornar a constituição do mago mais sensível, ele não deve colocar-se numa posição na qual essa sensibilidade possa ser invadida por influências perturbadoras e hostis. Muitíssimos indivíduos inteiramente comuns são suscetíveis a atmosferas, e para o mago, em particular, o local de trabalho deve certamente estar livre de qualquer contato deletério, de sorte que a esfera sensível da consciência não possa ser indevidamente afetada. Abraão menciona o tipo de casa necessária se o trabalho tiver que ser realizado numa pequena cidade ou povoado, dando-se ênfase à construção do Oratório, que deve ser a câmara realmente importante porquanto deve servir como templo mágico. Deste oratório uma janela tem que abrir para um balcão aberto ou um Terraço, como é chamado, cujo piso deve ser coberto com uma camada de areia fina de rio.

Ora, uma das coisas que mais, talvez, do que qualquer outro item dos acessórios impressiona o principiante que lê o livro de Abramelin é o fato de não se fazer aí nenhuma menção a um círculo mágico de proteção para o lugar de realização das invocações, a despeito de se fazer referências e descrições em termos claros de muitos demônios e espíritos malignos provavelmente danosos ao operador. Assim é porque nesta particular disposição da obra, o autor procura reduzir a totalidade da cerimônia a princípios fundamentais com o mínimo possível de dispositivos, e se supõe que o terraço substitua o triângulo no qual os espíritos apareceriam após a Conversação com Adonai. Tanto o dormitório quanto o oratório, sendo consagrados durante um longo período de tempo mediante contínuas orações, invocações e fumigações ascendentes, desempenhariam a mesma função de um círculo, estabelecendo um natural obstáculo astral em torno dos limites do oratório através de cuja santidade e segurança nenhum demônio poderia penetrar. É por esta razão que se dispensa qualquer círculo simbólico visível, porquanto o efeito das contínuas invocações terá exaltado tanto a constituição do operador e elevado tanto a vibração das moléculas em seus vários veículos que a inteira esfera astral e espiritual será purificada a um ponto que, como anteriormente sugerido, servirá em si mesma seguramente como o círculo mágico real.

Que se mencione aqui para o benefício dos aprendizes do presente que possam cogitar em se devotarem a esta Operação da Magia Sagrada que essas regras não precisam ser escrupulosamente acatadas desde que sua essência e espírito sejam acatados. Com apenas um pouco de engenhosidade será possível estabelecer um novo conjunto completo de circunstâncias externas favoráveis à execução satisfatória desta concepção da Grande Obra. É preciso que seja compreendido com clareza, contudo, que uma vez concebido e adotado esse conjunto de regras, embora claramente entendido como arbitrário, elas deverão ser estritamente seguidas. Em seu poema mágico Aha, Aleister Crowley apresenta uma bela versão de uma possível variante do cenário da operação:

“ . . . Escolhe com ternura
Um sítio para a academia tua.
Que um santo bosque haja
De solidão enramada
Junto do rio tranqüilo, sem chuva,
Sob as entrelaçadas raízes
De árvores majestosas que tremulam
Nos ares sossegados; onde os brotos
Da grama delicada são verdes,
Musgo e samambaias adormecidos entre si,
Lírios na água sobrepostos,
Raios de sol nos ramos presos
– Entardecer sem vento e eterno!
Todas as aves do céu silenciadas
Pela baixa e insistente chamada
Da continua queda d’água.
Aí, para um tal cenário sê
Sua gema esculpida de divindade,
Um fogo central sem defeito, subjugado
Como a Verdade no interior de uma esmeralda.”

Dentro da loja ou oratório consagrados deveria haver um altar construído como um armário, acima do qual, suspensa do teto uma lâmpada com azeite de oliva deve queimar. Deve ser mantido sobre o altar um turíbulo de latão, não devendo este nunca ser removido do oratório durante todo o período de seis meses da operação. É necessário um manto de seda carmesim guarnecido em ouro que chegue aos joelhos; é mencionada também uma outra túnica de linho branco. “Quanto a estas roupas, não há regras particulares para elas; nem nenhuma instrução especial a ser seguida; mas quanto mais resplandecentes, limpas e brilhantes forem, tanto melhor será.” “Também tereis uma Vara de amendoeira, lisa e reta, do comprimento de cerca de meio covado a seis pés.” No que se refere à preparação de todas essas coisas, os princípios formulados em capítulos anteriores se aplicam igualmente, mesmo considerando-se que nenhuma menção deles seja feita por nosso autor.

Durante o primeiro período de dois meses aconselha-se o operador a levantar-se toda manhã precisamente um quarto de hora antes do nascer do sol, entrar no oratório depois de ter se lavado e se vestido com roupa branca, abrir a janela e, ajoelhando no altar que dá para a janela que comunica ao balcão invocar os nomes de Deus com vontade e mente dilatadas. “...e confessar-Lhe inteiramente todos os vossos pecados”. Esta última prescrição, naturalmente, é simplesmente para produzir a tranqüilidade mental e emocional necessárias à inspiração e iluminação do anjo.

É dificilmente necessário estender-se sobre o fato de que aquele que permanece continuamente incomodado por uma consciência revoltada ou pela memória de uma antiga má conduta está deste modo impedido da tranqüila concentração mental; tampouco serão suas invocações intensas e unidirecionadas. Uma tal pessoa seria devidamente aconselhada a abster-se completamente até mesmo da contemplação de uma operação mágica desse tipo pois ela estaria fadada a resultar não só no fracasso da invocação ao anjo, como também em desastres do gênero mais catastrófico. Os poderes que estão presentes na operação de Abramelin são de pouco uso para os intrometidos. Conquistadas a tranqüilidade e a serenidade, o mago deve suplicar ao Senhor do Universo “que, chegando o tempo, possa Ele ter piedade de vós e conceder-vos Sua graça e a bondade de vos enviar Seu Santo Anjo, que vos servirá de Guia...”

Não há necessidade de enfatizar muito, suponho, que Abraão era de fé judaica, e conseqüentemente afeito à predominante – isto é, medieval – concepção judaica do monoteísmo pessoal. O tom teológico dado a esta magia pelo adepto hebreu e que deve ter sido acrescido por ele após tê-la recebido de Abramelin pode, portanto, ser tranqüilamente ignorado pelo leitor se este assim o desejar, já que não desempenha papel algum na verdadeira significação da operação. Cada aprendiz pode adaptar inteligentemente o caráter das prescrições de Abraão a respeito desse ponto à teoria mágica do universo aqui formulada num capítulo anterior, ou às suas próprias crenças religiosas particulares. É necessário, todavia, que eu frise que o dogma e a fé religiosa esotérica não ocupa lugar algum no interior do santuário da magia. É preciso que o leitor se convença que a magia depende de princípios experimentais rígidos tão confiáveis e tão exatos como os de qualquer ciência.

Antes de iniciar a operação, seria bom para o mago que formulasse um juramento de que executará essa magia sagrada e que o registrasse claramente por escrito. A vontade e a determinação de ter êxito precisa ser expressa mediante palavras, e essas palavras por ações, pois durante a Negra Noite da Alma, quando o olho espiritual estiver fechado e todo discernimento tiver se afastado, quando o acólito é debilitado pela tentação e pela aflição da mente, será apenas sendo fiel à letra do juramento que o mago poderá esperar conduzir essa operação a um clímax satisfatório. A direta expressão da vontade, em todos os casos, é o discurso, e o registro de uma determinação de vontade num juramento escrito está de acordo com os fundamentos da filosofia mágica.

No exercício de oração acima o ponto importante a ser observado, como o próprio Abraão faz notar a seu filho nas palavras que se seguem, é “Também de nada serve falar sem devoção, sem atenção, e sem inteligência; ...Mas é absolutamente necessário que vossa oração saia de dentro de vosso coração, porque simplesmente estabelecendo orações escritas, sua audição de modo algum vos explicará como rezar realmente. “Mais adiante, analogamente, ele aconselha seu filho Lamech: “Inflamai-vos com oração.” Quanto a esta prescrição, é necessário que nos estendamos um pouco, já que o sucesso ou o malogro na arte da invocação dependerá inteiramente do fato de essa recomendação ser acatada ou não.

Efetuar uma série de invocações diversas vezes ao dia durante um período de seis meses, repetindo a mesma invocação, confissão e oração durante o primeiro período duas vezes por dia é realmente uma tarefa diante da qual o operador que não for confirmado por hábito nesta senda da luz pode bem falhar. Detenha-se, leitor, e reflita sobre o que isso implica! Uma simples amostra de trabalho mágico que se mantém num período tão longo é realmente umas das tarefas mais árduas e tediosas que se pode conceber. Somente aquele que com persistência for capaz de ser fiel à letra de seu juramento assumido antecipadamente pode ter a expectativa do êxito. E no entanto, essas invocações não devem ser recitadas de maneira monótona e árdua, ou num tom de voz que indique tédio, sem fervor, sinceridade ou devoção. Sem a presença destas qualidades na invocação, um vulgar grito de feira seria tão útil quanto e teria mais ou menos tanto efeito como qualquer outro. Toda faculdade do mago deve participar do trabalho de invocação. Todo poder da alma deve ser exercido, todo grama de sinceridade, entusiasmo e regozijo espiritual deve ser empregado na sustentação das invocações que devem brotar do próprio coração e alma do ser do mago.

Durante esse primeiro período outras prescrições são indicadas que têm de ser escrupulosamente seguidas segundo o autor. Algumas delas podem parecer um tanto triviais ou ate ridículas, mas o julgamento final deve ficar a critério de cada leitor. Eu apenas as menciono pelo cuidado de me ater ao completo. Tanto o dormitório quanto o oratório mágico devem ser conservados num estado de limpeza e ordem absolutas, toda a atenção do teurgo sendo prestada à “pureza de todas as coisas”. Todo os sábados os lençóis do leito têm que ser substituídos e a câmara totalmente perfumada e incensada, impregnando assim mesmo esse quarto de uma carga de santidade e expandindo os limites do círculo. Os ingredientes apontados para o incenso são um composto de olíbano, estoraque e aloés, todos reduzidos a um pó fino e bem misturados.

Abraão, o Judeu é incisivo, ademais, quanto a afirmar que não se deve permitir que nenhum animal se aproxime ou tenha acesso à casa na qual a operação está sendo levada a efeito. Deve imperar a mais absoluta solidão que seja humanamente possível. “Se sois vosso próprio senhor, tanto quanto estiver em vosso poder, libertai-vos de todos os negócios, e deixar toda companhia vã e mundana, e conversação, levando uma vida tranqüila, solitária e honesta... Sede sóbrio ao tratar de negócios, vendendo ou comprando, sendo preciso que nunca vos enfureceis, mas sede modesto e paciente em vossas ações.” Essas são normas de bom senso que ninguém, eu presumo, criticaria. Uma outra sugestão expressa é que as Escrituras Sagradas podem ser lidas e ser objeto de meditação durante duas horas por dia, este tempo devendo ser especialmente programado e reservado para essa finalidade após o jantar, não se permitindo que nenhuma outra atividade interfira ou tenha precedência. Quase qualquer outro livro religioso serviria caso o aprendiznão esteja predisposto ao estudo da Bíblia, particularmente um desses livros que tenha causado profunda impressão em sua mente e que tenha servido de algum modo para despertar os sentimentos superiores e estimular o amor e as emoções nobres. Essa meditação produzirá também pistas que auxiliarão na composição dos rituais supremos.

No que diz respeito aos hábitos da vida, Abraão sugere moderação em todas as coisas, o comer, beber e dormir não devendo ser nem excessivos nem demasiadamente modestos. Nenhuma das coisas nas quais o mago estará envolvido deve, por menos que seja, conter algo de supérfluo. Quanto ao assunto que para a maioria dos aprendizes de magia e misticismo é cercado por um véu de obscuridade, aconselha, à guisa de acréscimo à prescrição de moderação que “Podeis dormir com vossa esposa na cama quando ela estiver pura e limpa;...” e nunca em caso contrário. A única questão a afetar o celibato é simplesmente a da conservação da energia, e nada mais.

Visto que todas as forças do indivíduo estão sendo transformadas pela operação e dirigidas a uma nobre finalidade espiritual, qualquer desperdício ou escoamento de força que é tão importante em matérias afastadas daquela finalidade são assim grosseiramente imorais no sentido de que apresentam algo de loucura e autodestruição. Durante a operação, poucas pessoas deverão estar na casa com ele, “ Quanto ao que se refere à família, quanto menos numerosa, melhor; também fazei de modo que os servos sejam modestos e tranqüilos.” A caridade é sugerida e também o recato com respeito às roupas e o modo de vestir; toda vaidade deve ser severamente banida.

Isso é o suficiente para o primeiro período. As tarefas nestes dois meses são relativamente fáceis, indicando tão-só uma simples vida meditativa, em relação à qual se insiste no repouso e tranqüilidade. Duas vezes ao dia, ao nascer e pôr-do-sol, quando certas forças ocultas na natureza estão em sua ascendência e no máximo de sua pureza, as invocações deverão ser realizadas; cumpre que o resto do dia seja passado no aperfeiçoamento variado da concentração da mente fervorosamente dirigindo-se ao “... Santo Anjo que vos servirá de Guia...”

A programação proposta por Abraão pode facilmente ser suplementada por outros itens de magia, em conformidade com a aspiração principal, o que pode ser sugerido pela engenhosidade do indivíduo. Durante este período, o mago deve devotar todas as faculdades que adquiriu através da atenção que dedicou a outras fases da técnica ao fortalecimento da aspiração principal. Os rituais de banimento podem ser usados proveitosamente e a ascensão aos planos pode se revelar um auxiliar extremamente útil às invocações. A repetição contínua de um mantra sagrado, compatível com a concepção do mago da natureza de seu Anjo, se revelará de grande ajuda para manter a concentração da mente unidirecionada.

Com a chegada do segundo período precisamente o mesmo procedimento é seguido exceto pelo fato de o operador ser exortado a tornar suas invocações mais intensas e ígneas, e “Deveis prolongar vossas orações o máximo que vossa capacidade permitir”. As invocações devem prosseguir de manhã e no anoitecer como nos dois meses anteriores, mas “...antes de entrardes no Oratório deveis lavar vossas mãos e face completamente com água pura. E deveis prolongar vossa oração com a maior afeição possível, devoção, e submissão, humildemente implorando ao Senhor Deus que se digne a ordenar a Seus Santos Anjos que vos levem pelo Verdadeiro Caminho...” É fácil perceber a idéia psicológica que Abraão gradualmente formula. As invocações ao Santo Anjo Guardião devem ser feitas mais freqüentes, ardentes e imperiosas de sorte que quando pelo fim do período de seis meses é dado ao teurgo o conselho de inflamar-se com a invocação, prática anterior o fará voar como uma flecha impelida por um arco rumo à glória do anjo e não se experimentará qualquer dificuldade para despertar o entusiasmo e devoção requeridos que levarão a efeito a união mística.

Outras prescrições a serem observadas no segundo período podem ser resumidas com brevidade como se segue. “O uso dos direitos do matrimônio, mas, se este uso for feito, deverá sê-lo o mínimo possível.” “Deveis também lavar todo vosso corpo toda véspera de Sabbath.” “Quanto ao que tange o comércio e modo de viver, já dei instrução bastante”, mas agora “...é absolutamente necessário retirar-se do mundo e procurar isolamento...” As observações antes feitas no que se refere a comer, beber e se vestir continuam aplicáveis.

Quando o segundo período se encerra e com ele o quarto mês de invocação contínua, a mente do operador deverá estar gradualmente se contraindo para um único ponto em função desses modos de vida serenos e calmos e do fervor crescente que deve introduzir em suas invocações, que ocupam agora períodos mais largos de tempo. Nessa ocasião, igualmente, ele terá entrado naquele estado de secura do qual místicos de todos os tempos falaram, aquele horrível estado psicológico no qual todos os poderes da alma parecem mortos a visão da mente se fecha num protesto mudo, por assim dizer, contra a disciplina cruel do juramento. Mil e uma seduções tenderão a desviar o operador da contemplação da finalidade que escolheu, e mil e um meios de quebrar o juramento em espírito sem quebrá-lo na letra serão apresentados. E parecerá que a própria mente irá ficar fora de si, advertindo o teurgo que seria melhor para ele omitir, por exemplo, um período devotado à invocação e fazer algo mais, profano e prazeroso. Constantemente procurará amedrontá-lo com temores desordenados relativos à saúde do corpo e da mente.

Contra todas estas insanidades – fatais se ele sucumbir a uma única tentação – há somente um remédio, a saber, a disciplina do juramento feito no início, prosseguir no labor de invocar durante seis meses o Santo Anjo Guardião. Tudo o que se tem a fazer é proceder às cerimônias e invocações, agora temporariamente destituídas de sentido e horrendas, visto que a visão espiritual está negra e o olho interior fechado. Pode ser que com o terceiro e último período essa Noite Negra da Alma passe lenta e imperceptivelmente, e então surgirá a suave grandeza rosa e cravo da aurora a ser sucedida pela brilhante luz diurna do Conhecimento e Conversação, com a Visão Beatífica e o perfume tão doce e confortador aos sentidos e à alma do Santo Anjo Guardião.

Com a chegada dos últimos dois meses, aconselha-se que o homem que é seu próprio senhor deixe todos os seus negócios de lado, à exceção, talvez, de obras de caridade para com seus próximos. Contudo, dever-se-á tomar cuidado mesmo em manifestar uma virtude tão elevada quanto esta pois a concentração e a aspiração ao mais elevado não devem ser interrompidas. “Afastai-vos de toda sociedade, salvo a de vossa Esposa e Servos... Toda véspera de Sabbath deveis jejuar, e lavar todo vosso corpo, e trocar vossas roupas.” Estas regras concernem ao modo de vida e conduta. Mas as instruções que se referem ao aspecto mágico da operação são as seguintes: “Manhã e noite deveis lavar vossas mãos e face ao entrar (quer dizer, antes, é claro) no Oratório; e primeiramente deveis confessar todos os vossos pecados; depois disto, com mui ardente oração, deveis implorar ao Senhor que vos conceda esta particular graça, que é poderdes desfrutar e resistir à presença e conversação de Seus Santos Anjos, e que Ele possa dignar-se por intermédio deles conceder-vos a Secreta Sabedoria, de modo que possais ter o domínio sobre os Espíritos e todas as criaturas.”

Este é o procedimento recomendado para os dois últimos meses, tempo em que a maior parte do dia será passada, como orientam também os Oráculos Caldeus, “Invocando com freqüência”, concentrando todos os poderes da mente, do corpo e da alma em conjunto, focalizando-os por meio de invocação de maneira que por meio disso o anjo possa aparecer e alçar o teurgo à sua vida mais grandiosa e mais ampla. Concluído o terceiro período de três meses em 21 de setembro, o mago deverá levantar-se na manhã seguinte muito cedo, “...nem vos lavareis nem vos vestireis com vossas roupas comuns, mas tomareis uma roupa de luto; entrareis no Oratório de pés nus; ireis para o lado o incensório*, e tendo aberto as janelas, retornareis à porta. Ali vos prostrareis com vossa face contra o chão e ordenareis à criança (que é usada neste sistema como assistente e clarividente, mas desnecessária, acho, nessa última função se a operação tiver sido cuidadosamente desenvolvida) que coloque o perfume no turíbulo, após o que se deverá pôr de joelhos diante do Altar; seguindo em tudo e minuciosamente as instruções que dei... Humilhai-vos perante Deus e Sua Corte Celestial e começai vossa Oração com fervor, pois então começareis a vos inflamar na oração, e vereis aparecer um extraordinário e sobrenatural esplendor, que encherá todo o apartamento, e vos circundará com um cheiro inexprimível, e apenas isto vos consolará e confortará o coração, de modo que clamareis para sempre, feliz, pelo Dia do Senhor.”

Nota: Embora o autor nem sempre faça citações integrais, omitindo certos trechos e advertindo o leitor desta descontinuidade mediante as reticências (... ), aqui não há estas reticências, motivo pelo qual reproduzimos o trecho omitido: “tomareis as cinzas dele e as colocareis sobre vossa cabeça; acendereis a Lâmpada; e poreis os carvões quentes no incensório”. (N. T.)

Abraão, homem sábio e mago que era, não sobrecarrega a si mesmo, se perceberá, nem a mente de seu filho, ao qual essa técnica mágica é transmitida, com qualquer sofisma intelectual ou qualquer investigação metafísica a respeito da natureza do anjo. Não há nenhuma discussão quanto a este último possuir uma existência objetiva, isto é, independente, ou se ele é subjetivamente inerente à estrutura psicológica do teurgo. Ele mesmo, tendo passado por este treinamento e alcançado sua realização na Visão e no Perfume,bem conhecia a falácia da dependência intelectual. E pode-se presumi-lo porque ele escolheu de preferência a todas as outras expressões as próprias palavras “Santo Anjo Guardião”, que são tão palpavelmente absurdas de um ponto de vista racional a ponto de nenhuma pessoa sensata ousar especular acerca delas. Assim a dependência intelectual e a voragem do erro são evitados. Quanto maior for a força e o entusiasmo desse ato de fé numa entidade irracionalmente nomeada e concebida, mais eficaz será a crise da conjuração.

Durante sete dias, em seguida, aconselha Abraão, o operador executará as cerimônias sem falhar na execução correta de nenhuma delas de modo algum. No dia da consagração, o Santo Anjo Guardião terá aparecido ao teurgo e proporcionado graça e esplendor a sua alma, sustento ao seu espírito e terá inundado toda a esfera da sua mente com uma iluminação que tudo abarca, que não há palavras que possam adequadamente descrever. Então seguir-se-á, segundo prescrição do anjo, uma convocação de três dias na qual os espíritos bons e santos serão conjurados à aparência visível no terraço e introduzidos ao domínio da vontade renovada do mago; os três dias sucessivos serão dedicados à evocação dos maus espíritos.

No segundo dia, orienta Abraão, “devereis seguir os conselhos que vosso Santo Anjo Guardião vos terá dado e no terceiro renderás gratidão”. “E então pela primeira vez estareis capacitado a pôr à prova se bem empregastes o período das Seis Luas, e quão bem e dignamente trabalhastes na busca da Sabedoria do Senhor; pois vereis vosso Anjo Guardião vos aparecer em inigualável beleza; que também convosco conversará, e falará com palavras tão cheias de afeto bondade, e com tal doçura que nenhuma língua humana poderia expressá-las... Numa palavra, sereis por ele recebido com tamanha afeição que esta descrição que aqui dou deverá nada parecer em comparação... Aqui neste ponto, começo a restringir-me em meu escrever, haja visto que pela Graça do Senhor submeti-vos e consignei a um MESTRE tão grande que nunca vos deixará em erro.”

Continuando diretamente com a descrição em versos do cenário da operação mágica anteriormente citada, e trabalhando-se com esmero as observações de nosso autor de magia, Crowley prossegue:

“ Tu terás uma barca de bétula
Sobre o rio nas trevas;
E à meia-noite irás
À corrente mais suave do meio do rio,
E tocarás uma campainha dourada
A chamada do espírito; então diz as palavras de encantamento:
‘Anjo, meu Anjo, aproxima-te!’
Fazendo o Sinal de Maestria
Com bastão de lápis-lazúli.
Então, pode ser, através da encoberta
Noite silenciosa verás teu anjo surgir,
Ouve o débil sussurro de suas asas,
Contempla as doze pedras dos doze reis!
Sua fronte será coroada
Com a débil luz das estrelas, onde
O Olho vislumbra dominante e agudo.
E por este motivo tu desfaleces; e teu amor
Captará a voz sutil disso.
Ele informará seu amante feliz;
Minha tola tagarelice estará terminada! . . .
Mente abertamente, uma taça camaleônica,
E O deixa sugar teu mel! “

Assim finda a mais importante parte do sistema advogado por Abramelin, o mago, que pode ter sido seguramente um dos maiores mestres de magia do Ocidente. Com perfeita lucidez e suave simplicidade de concepção espiritual, com clareza na expressão e na instrução e sem sobrecarga da mente com minúcias e elementos secundários, com símbolos de pureza e de limpeza, Abraão, o Judeu, conduz o teurgo gradualmente, passo a passo, em ascensão pela maravilhosa escada que é a Árvore da Vida que cresce para a terra a partir do Ancião dos Dias, rumo ao Mestre Inefável. Ele é o Augoeides, Adonai, o Eu superior, o Santo Anjo Guardião, chame-se-o como quiser. E a iluminação e glória espiritual que o Anjo traz é tão auspiciosa e santa e uma visão tão terrível que no devoto é induzido um arrebatamento, uma adoração, um transporte de êxtase que ultrapassa qualquer concepção e discurso humano.

Nenhum santo ou poeta ainda foi capaz de sugerir mais do que um eco fugidio dessa incomparável experiência. Esta consecução marca o começo da carreira do Adeptado, e é só então, quando a alma tendo sido erguida em excelsitude e visto coisas que não é lícito revelar, que a verdadeira natureza da vida pode ser percebida. Infiltrado por uma riqueza de sabedoria, ventura e clareza da visão interior, poderá então o mundo ser apreciado pelo que ele é. Até aqui os olhos da alma estavam cerrados, e cegos, amedrontados, e ignorantemente calados, o indivíduo se achava num redemoinho na roda continuamente móvel da vida e da dor. Mediante o atingimento do esplendor angélico, o centro da consciência tendo sido para sempre exaltado além do ego empírico, um dilúvio de êxtase produz a compreensão de que é apenas o Anjo que é e sempre foi o Ego, o Eu real jamais conhecido antes. Não mais o Anjo o entesourará como as muralhas longínquas do abismo estrelado, mas sim Ele queimará ardentemente no cerne do homem, vertendo através dos canais dos sentidos deste uma torrente interminável de glória e deleite resplandecentes. Os portais da mente são destravados e oscilam sobre suas dobradiças, e o domínio celestial ao qual o Anjo introduz a alma é abundante e estaticamente descerrado.

Há um belo poema de autoria do poeta irlandês A. E. em que o tema é uma conversação entre a criança terrestre das trevas e o santo Anjo da Luz. O primeiro diz:

“Eu te conheço, ó glória,
Teus olhos e tua fronte
De fogo alvo todo grisalho,
Retorna a mim agora.
Juntos viajamos
Em eras passadas,
Nossos pensamentos à medida que ponderávamos
Eram estrelas na alvorada.
Minha glória declinou;
Meu azul celeste e ouro;
E no entanto tu permaneces aceso
O fogo-sol de outrora.
Meus passos estão presos à
Urze e à pedra...”

O Anjo responde mediante palavras particularmente significativas ao aprendiz de magia, rogando ao eu sombrio que ceda à orientação do pastor celestial:

“Por que tremer e prantear agora,
Quem as estrelas uma vez obedeceram?
Avança para o profundo agora
E não tem medo...
Um diamante arde
Nas profundezas do Só,
Teu espírito retornando
Pode reivindicar seu trono.
Em ilhas orladas de chamas
Suas dores cessarão,
Absortas no silêncio
E debeladas na paz.
Vem e repousa tua pobre cabeça sobre
Meu coração onde ela incandescerá
Com o vermelho-rubi do amor sobre
Teu coração por seus infortúnios.
Meu poder eu cedo,
A ti ele é devido,
Avança pois o esplendor
Espera por ti!
(Autor: ISRAEL REGARDIE)

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