21 de fevereiro de 2013
A ÁRVORE DA VIDA - Um Estudo Sobre Magia XIV
CAPITULO IX
Há vários aspectos do procedimento mágico no trabalho cerimonial que é preciso considerar. Que o som, por exemplo, detém um poder criativo ou formativo, isto é há muito reconhecido e conhecido pela maior parte da humanidade. O mantra dos hindus e seus efeitos sobre o cérebro bem como sobre as ramificações nervosas do corpo têm sido o assunto reiterado de considerável quantidade de experimentos científicos e leigos. Uma teoria racional referente ao mantra sagrado sustenta que sua ação no cérebro pode ser comparada à de uma roda que gira celeremente e por cujos raios nenhum objeto pode passar. Afirma-se que quando o mantra é firmemente estabelecido e o cérebro tenha absorvido automaticamente sua tonalidade fluida, todos os pensamentos, até mesmo o do mantra, são projetados para fora, e na mente esvaziada de todo conteúdo a experiência mística pode acontecer. Há uma outra teoria sustentada por outras escolas de ocultismo que afirma que a vibração estabelecida por um mantra possui um efeito purificador sobre toda a constituição humana; que por meio de sua ação vibratória os elementos mais grosseiros do corpo são gradativamente expelidos, um processo de purificação que ocorre e afeta não apenas o corpo de carne, sangue, cérebro e terminais nervosos como também tanto o corpo de luz quanto a completa estrutura mental dentro da esfera de sua ação. Na admirável biografia de Milarepa, o iogue budista, publicada pela Oxford University Press, existe a seguinte nota de pé de página: “De acordo com a escola Mantrayana está associada a cada objeto e elemento da natureza... uma taxa particular de vibração. Se essa for conhecida, formulada num mantra e utilizada habilmente por um iogue aprimorada, como era Milarepa, afirma-se ser capaz de impelir as divindades menores e elementais à aparição e as divindades superiores a emitir telepaticamente sua divina influência em raios de graça.”
Sustenta-se em magia que a vibração de certos nomes divinos conduz à produção de seus fenômenos psicológicos e espirituais. “Por quê?” pergunta Blavatsky em A doutrina secreta. Respondendo à sua própria pergunta ela afirma: “Porque a palavra falada possui uma potência desconhecida, insuspeita e desacreditada dos modernos ‘sábios’. Porque som e ritmo estão estreitamente relacionados aos quatro elementos dos antigos, e porque certamente esta ou aquela vibração no ar desperta poderes correspondentes, sendo que essa união produz bons ou maus resultados, dependendo do caso”.
A lenda que se refere ao Tetragrammaton hebraico é interessante. Aquele que conhece a pronúncia correta de YHVH, chamado Shem ha-Mephoresh, o Nome impronunciável, detém o meio de destruir o universo, seu próprio universo particular e arremessar essa consciência individual ao samadhi. Ademais, a teoria mágica assevera que a vibração estabelecida pela voz humana possui o poder não só de moldar a substância plástica da luz astral sob várias configurações e formas dependendo de seu tom e volume, como também de impulsionar a atenção de entidades e essências metafísicas para aquele molde.
O poder do som pode ser comprovado com absoluta facilidade por meio de alguns experimentos superficiais, mas sumamente interessantes. O proferir do monossílabo Om em voz alta e penetrante se sentirá, sem dúvida, vibrando de maneira notável tanto na garganta quanto no tórax. Através da repetição, a capacidade de aumentar a potência ou freqüência das vibrações e a área de sua detonação podem ser ampliadas de modo bastante considerável. Por meio de uma certa quantidade de prática criteriosa, sempre acompanhada do exercício da inteligência, o praticante se achará capacitado a vibrar uma única palavra de maneira a fazer o corpo todo estremecer e tremer sob o impacto do poder da palavra. Por outro lado, a prática também capacitará o aprendiza limitar, por exercício de sua vontade, a vibração a uma certa área ou localidade de seu corpo. Desnecessário dizer que se deve ter sempre um enorme cuidado, pois não se requer nessa prática que o corpo seja fragmentado ou despedaçado por vibrações catastróficas.
Há famosos exemplos do poder destrutivo do som causado pela ribombar do trovão ou a explosão de granadas. Temos a história amiúde repetida, e que vale bem a pena mencionar aqui, de um truque realizado por um grande cantor. Ele dá uma pancadinha de leve com a unha do dedo num copo de vinho de modo a fazê-lo retinir; em seguida, captando a nota com sua voz entoa a mesma nota com sua boca precisamente acima do copo. Passado um momento, estando sua voz vibrando em uníssono com a nota emitida pelo copo, ele bruscamente substitui a nota por uma mais alta, e o copo inesperadamente cai despedaçado. Ele está brincando com a lei da vibração, pois todas coisas, visíveis e invisíveis, adentram sua esfera, e todo objeto concebível existe num plano definido, possuindo uma taxa de vibração diferente. Toda massa orgânica e inorgânica é composta de uma multidão de centros de energia infinitamente pequenos que, a fim de se aderirem entre si, têm que vibrar conjuntamente. A mudança desta vibração ou destrói a forma ou produz mutações e alterações de forma.
E se há um aspecto destrutivo do som, conclui-se que há outro de formação e criação a ser descoberto mediante experimentação constante e paciente. O efetivo poder de formação pode ser demonstrado muito facilmente. Que o leitor espalhe um pouco de areia fina sobre a caixa de som de um violino, e sem tocar a areia mova o arco levemente sobre uma das cordas. Constatar-se-á que a vibração exerce uma influência formativa, visto que com o soar da nota e sua amplificação na caixa acústica a areia assume curiosas formas geométricas: um quadrado ocasionalmente será formado com muita clareza, ou um triângulo, uma elipse ou um desenho comparável à estrutura de um floco de neve, cristalino e uma coisa de rara beleza. O mesmo experimento pode ser executado sobre uma lâmina de vidro, e dependendo de o arco ser movido lenta ou rapidamente de encontro à borda, levemente ou com muita pressão, a areia assumirá uma forma diferente. No violino uma nota suave e profunda naturalmente produzirá uma forma sonora diferente de uma longa nota lamuriosa e lancinante; a brusquidão possui um valor-forma distinto de um vibrato lento. Há em algum lugar nos escritos de Madame Blavatsky o testemunho de que ela própria em uma ocasião, à beira da morte, foi chamada de volta à vida e curada de suas enfermidades através dos poderes inerentes ao som. Todas essas coisas vão ao ponto de mostrar que o som efetivamente possui um valor criativo, devendo ser o objetivo de todo aquele que se supõe mago apurar mediante a prática que tom de voz é mais adequado ao trabalho mágico. A experiência mostra que um sussurro penetrante dos nomes a serem pronunciados constitui o método mais satisfatório, uma voz que mais vibra do que pronuncia claramente sendo o que é requerido.
A vibração de nomes divinos é portanto um aspecto essencial na prática da magia porque o conhecimento do nome de qualquer ser – e no conhecimento está incluída a capacidade de vibrá-lo e pronunciá-lo corretamente, bem como uma compreensão de suas implicações cabalísticas – corresponde a deter uma espécie de controle sobre ele. O conhecimento do nome pode ser adquirido pela aplicação de princípios cabalísticos, de modo que no nome é possível encontrar um resumo das forças e poderes que lhe são inerentes. Numa palavra está a magia contida, e uma palavra corretamente pronunciada é mais forte, diz Lévi, do que os poderes do céu, da terra ou do inferno. A natureza é comandada com um nome; os reinos da natureza, do mesmo modo, são conquistados e as forças ocultas que compreendem o universo invisível obedecem àquele que pronuncia com compreensão os nomes incomunicáveis. “Para pronunciar esses grandes nomes da Cabala, de acordo com a ciência, temos que fazê-lo com pleno entendimento, com uma vontade por nada detida, com uma atividade que nada pode repelir.”
A vibração de nomes divinos, então, constitui uma das mais importantes divisões de uma invocação cerimonial. Os incensos, perfumes, cores, sigillae e luzes em torno do círculo mágico auxiliarão na evocação da idéia ou espírito desejados a partir da imaginação, e para que se manifestem numa roupagem apropriada, coerente e tangível ao exorcista. Não somente deve haver intenção e pensamento, como também a expressão concreta do pensamento numa ação ou numa palavra a qual, para a idéia, tem que ser como um logos. À guisa de ilustração do modo de vibração, suponhamos que um exorcista deseje invocar os poderes pertencentes à esfera de Geburah. Apurar-se-á que seu planeta é Marte, cuja qualidade essencial é energia e força cósmicas resumidas na divindade Hórus, seu arcanjo será Kamael, seu espírito Bartsbael e a Sephira aos quais estes são atribuídos ostenta o nome divino Elohim Gibor. Quando na cerimônia mágica que o teurgo impulsiona chega o momento de pronunciar o nome divino, que ele aspire muito profundamente, lenta e energicamente. No instante em que o ar exterior tocar as narinas, deve-se imaginar claramente que o nome do deus, Elohim Gibor, está sendo aspirado com o ar. Figura-se o nome sustentado nas alturas em grandes letras de fogo e chama e à medida que o ar lentamente enche os pulmões, deve se imaginar que o nome permeia e vibra através de toda a estrutura do corpo, descendo gradualmente através do tórax e do abdômen, até as coxas e pernas atingindo, os pés. Quando parecer que a força toca a parte mais inferior das pernas, se expandindo e se difundindo para cada átomo e célula do pé – e a prática tornará essa façanha da imaginação menos difícil do que aparenta – o teurgo deverá assumir uma das poses características do deus Hórus exibidas nas vinhetas do Livro dos mortos do Antigo Egito. Uma delas, o sinal do ingressante, consiste em arrojar o pé esquerdo para a frente e inclinar o corpo para a frente, ambos os braços sendo primeiramente levados à cabeça e atirados à frente como se projetando a força mágica para o triângulo de evocação. À medida que este sinal está sendo assumido, ao mesmo tempo que os pulmões estão expirando o ar carregado com o nome, dever-se-á imaginar intensamente que este se eleva rapidamente a partir dos pés, através das coxas e do corpo, sendo então arremessado energicamente com um vigoroso grito de triunfo. Se o corpo inteiro do mago sentir-se inflamado de força e energia, e trovejando no interior de seus ouvidos proveniente de toda porção de espaço circundante ele ouvir o eco ressonante do nome vibrado magicamente, ele poderá estar seguro que a pronúncia foi corretamente feita. O efeito da vibração dos nomes divinos consiste em estabelecer um sinal na luz astral superior, ao qual responderá diligentemente a inteligência evocada. Outros gestos e outros sinais existem para cada um dos deuses e poder-se-á saber o que são esses sinais mediante o estudo das formas divinas egípcias.
Estreitamente aliada à vibração dos nomes divinos encontra-se um outro ramo da magia. É possível que o aprendiz tenha notado em alguns rituais muitas palavras incompreensíveis numa língua estranha ou desconhecida, palavras conhecidas tecnicamente como “nomes bárbaros de evocação”, as quais os Oráculos caldeus nos aconselham a jamais alterar “pois são nomes divinos que possuem nos ritos sagrados um poder inefável”. Originalmente, tudo que se entendia pelos “nomes bárbaros” era que se tratava de palavras no dialeto dos egípcios, caldeus e assírios, considerados bárbaros pelos gregos, e G. R. S. Mead prefere traduzir a expressão para “nomes nativos”. Jâmblico, respondendo às indagações de Porfírio sobre esse ponto, declara: “Aqueles que aprenderam em primeira mão os nomes dos deuses, os tendo mesclado com sua própria língua, os entregaram a nós, para que pudéssemos sempre preservar inalterável a lei sagrada da tradição numa linguagem peculiar e a eles adaptada... Os nomes bárbaros, igualmente, detêm muita ênfase, grande concisão e participam de menos ambigüidade, variedade e multiplicidade”. A experiência confirma que as mais poderosas invocações são aquelas em que estão presentes palavras pertencentes a uma língua estranha, antiga ou talvez esquecida; ou até mesmo aquelas expressas num jargão degenerado e, pode ser, sem significação. Nesses conjuros, a qualidade que mais se destaca é o fato de a língua empregada ser sempre muito vibrante e sonora, sendo esta sua única virtude, pois são caracteristicamente eficazes quando recitadas mediante entonação mágica, cada sílaba sendo cuidadosamente vibrada. Por uma razão ou outra, descobriu-se que a recitação desses nomes conduz à exaltação da consciência, exercendo uma fascinação sutil na mente do mago. “A magia dos antigos sacerdotes consistia naqueles dias...”, pensava Madame Blavatsky, “...em se dirigir a seus deuses em sua própria língua... composta de sons, não de palavras, de sons, números e figuras. Aquele que sabe como conjugar os três invocará a resposta do poder superintendente. Assim essa língua é a dos encantamentos ou dos mantras, como são chamados na Índia, sendo o som o mais potente e eficaz agente mágico, e a primeira das chaves que abre a porta de comunicação entre mortais e imortais”.
A base racional e a explicação da exaltação não estão muitos afastadas da experiência geral. Não é única e nem se limita exclusivamente ao trabalho cerimonial ou teúrgico. Lê-se amiúde de poetas que se tornam enlevados, por assim dizer, pela repetição de versos e nomes rítmicos; de fato, muitos dos poemas de Swinburne constituem um esplêndido exemplo de tal poesia. Ouve-se falar, também, de crianças precoces que são singularmente afetadas por aquelas passagens da Bíblia nas quais existem longas listas de estranhos nomes e lugares hebreus. Thomas Burke, o eminente romancista, uma vez informou-me que quando era jovem, os nomes das cidades e países do continente sul-americano atuavam para ele como fascinações de quase encantamento, exercendo um poder oculto. Nomes como Antofagasta, Tuerra* del Fuego, Antanonoriva e Venezuela são efetivamente nomes bárbaros para conjuração. Lembro-me, também, da leitura em certa ocasião de um poema da autoria de William J. Turner, o crítico de música, no qual ele conta que quando menino as palavras e nomes mexicanos exerciam um fascínio sobre ele, tais como Popocatapetl, Quexapetl, Chimborozo e similares. Os nomes por si mesmos nada transmitem a uma imaginação fértil e desenvolvida; a exaltação da consciência se deve quase que inteiramente ao ritmo e a sua música, a fascinação dos nomes penetrando o domínio da imaginação, onde é agarrada para despertar um frenesi ou excitação peculiares. Em todo caso, resta pouca dúvida de que as muitas palavras bárbaras, formidáveis e de aparência quase medonha que ressoam e são vociferadas em tantas das melhores invocações provenientes da Antigüidade, exercem um efeito estimulante na consciência, exaltando-a ao grau exigido pela magia. A invocação do “não-nascido”, cujos elementos básicos são encontrados em alguns fragmentos greco-egípcios e que está reimpressa no último capítulo deste livro, é talvez o mais notável exemplo. Como ritual é considerada por muitos como um dos melhores, sendo repleta de palavras estranhas ricas em música e excitações primitivas, sonoras ao mais alto grau. Muitos dos rituais e invocações utilizados pelo astrólogo elisabetano dr. Dee, que trabalhava em colaboração com seu colega Sir Edward Kelly, constituem também espécimes marcantemente bons dessa linguagem. Na verdade, pode-se considerar os rituais de Dee como únicos. São escritos quase que totalmente, à exceção de algumas palavras hebraicas, numa língua curiosa chamada angélica ou enoquiano, segundo Dee ditada a ele pelos anjos. Independentemente de sua origem, apurou-se que as invocações expressas nessa língua atuam com uma peculiaridade e uma força constatadas em nenhuma outra língua.
Típico das palavras bárbaras, pode-se fazer citações extraídas de vários rituais. A que se segue é retirada dos conjuros de Dee:
“Eca, zodocare, Iad, goho. Torzodu odo kikale qaa! Zodacare od zodameranu! Zodorje, lape zodiredo Ol Noco Mada, das Iadapiel! Ilas! hoatahe Iaida! “
Presente no capítulo CLXV da recensão Saite do Livro dos Mortos, encontra-se uma petição a Amen-Ra, onde os mais poderosos dos nomes mágicos do deus são recitados: “Salve, tu Bekhennu, Bekhennu! Salve, príncipe, príncipe! Salve, Amen. Salve, Amen! Salve Par, salve Iukasa! Salve, deus, príncipe dos deuses das partes orientais dos céus, Amen-Nathekerethi-Amen. Salve tu cuja pele está oculta, cuja forma é secreta, tu, senhor dos dois cornos nascidos de Nut, teu nome é Na-ari-k, e Kasaika é teu nome. Teu nome é Arethi-kasatha-ka, e teu nome é Amen-naiu-anka-entek-share ou Thekshare-Amen Rerethi! Salve, Amen e permite-me fazer a súplica a ti pois eu conheço teu nome... Oculto é teu discurso, ó Letasashaka, e eu fiz para ti uma pele. Teu nome é Ba-ire-qai, teu nome é Marqatha, teu nome é Rerei, teu nome é Nasa-qebu-bu, teu nome é Thanasa-Thanasa; teu nome é Sharshathakatha.”
Um outro excelente exemplo, quiçá um dos melhores no que diz respeito à aparente ininteligibilidade dos nomes, acha-se no Harris Magical Papyrus, do qual uma tradução inglesa pode ser encontrada nos Fac-símiles de Papiros Hieráticos do Museu Britânico.
“Adiro-Adisana! Adirogaha-Adisana. Samoui-Matemou-Adisana!
“Samou-Akemoui-Adisana! Samo-deka! Arina-Adisana! Samou-dekabana-adisana! Samou-tsakarouza- Adisana! Dou-Ouaro-Hasa! Kina! Hama! (Pausa) Senefta-Bathet-Satitaoui-Anrohakatha-Sati-taoui! Nauouibairo-Rou! Haari!”
No fragmento a que já nos referimos do ritual greco-egípcio, editado por Charles Wycliffe Goodwin para a Cambridge Antiquarian Society em meados do século passado, isto é, séc.IXI, aparecem também nomes exemplares: “Eu te invoco, deus terrível e invisível que habitas o sítio vazio do Espírito: Arogogorobrao, Sothou, Modorio, Phalarthao, Doo, Apé, O Não-nascido.”
Entretanto, tanto do ponto de vista da pesquisa quanto da filosofia concorda-se que o conhecimento da Cabala em todos os seus ramos constitui um suplemento importante e considerável à prática do mago. Como o mago se aplica em tornar sua vida compreensível e em interpretar todo incidente que lhe é inerente como uma transação de Deus com sua alma, de maneira que todas as coisas possam tender para sua iluminação espiritual, poderia parecer incongruente que ele contradissesse essa decisão incorporando palavras sem significado e sem sentido em suas invocações. Acima de tudo, a consistência e a coerência interna tipificam a mente do mago. Conseqüentemente negligenciar os princípios exegéticos da Cabala é deixar desprotegidos os canais através dos quais o caos e a incoerência poderão invadir o sanctum de cognição. Toda palavra bárbara deveria ser tão cuidadosamente estudada e compreendida em termos de grau de atenção e erudição quanto uma análise da Crítica da Razão Pura de Kant, permitindo-se a significação oculta penetrar abaixo do nível de consciência onde, durante a cerimônia, possa auxiliar na produção da excitação requerida. E a revelação do real espírito dos nomes bárbaros não pode dispensar um bom conhecimento funcional da Cabala.
Por exemplo, consideremos a palavra “Assalonoi” constante numa outra parte do fragmento greco-egípcio. A primeira letra sugerirá Harpócrates, o Senhor do Silêncio, que é o Bebê no Lótus e o Puro Louco do tarô, o inocente Percival que silenciosamente se põe em busca do Cálice Sagrado. É apenas ele que, devido à sua loucura mundana mas também à sua sabedoria e inocência divinas, pode chegar incólume ao fim. O “s” será visto como se referindo à carta do tarô que representa o Santo Anjo Guardião que ostenta no peito um sigillum que tem gravadas as letras do Tetragrammaton. “Al” pode ser interpretado como sendo a palavra hebraica para deus, bem como “on” é um nome gnóstico. Pode-se supor que o sufixo “oi” indique o pronome possessivo meu, de sorte que considerada em sua totalidade, a palavra é, na realidade, um resumo de uma invocação completa do Santo Anjo Guardião.
Consideremos agora “Phalarthao”, palavra na mesma invocação. “Phal” é obviamente uma abreviação de falo, que de acordo com Jung é o símbolo das faculdades criativas de um ser humano. Ele o define, aliás, como “um ser que se move sem membros, que vê sem olhos e conhece o futuro; e como representante simbólico do poder criador universal, em todo lugar existente, a imortalidade está indicada nele. É um vidente, um artista e um operador de prodígios”. Submetendo-se as duas letras “ar” ao processo cabalístico denominado Temurah, teremos Ra, o deus-Sol, que verte sua copiosa generosidade em luz, calor e sustento sobre todo o mundo da matéria, e que proporciona graça e iluminação espirituais à vida interior. O “th” é Tes, a serpente leônica que é a essência da vida física, conferindo substância à visão espiritual. “A” é o raio de Thor, as forças mágicas do Adepto postas em movimento e o “o” representa o bode montês e o aspecto fecundo criativo do ser do homem.
A palavra “Adisana” que aparece com muita freqüência no elenco de nomes bárbaros fornecidos pelo Harris Magical Papyrus, traz à mente uma alusão teosófica. As Estâncias de Dzyan apresentadas em A Doutrina Secretamencionam a palavra sânscrita Adi-Sanat. Blavatsky explica que essa sugere equivalência com Brahma e a Sephira da Cabala, Kether, e significa o Criador uno. O mago pode assim supor que a palavra egípcia, na falta de conhecimento mais preciso e definido, é, portanto, uma referência à coroa, a mônada no homem e no cosmos.
Ainda outros métodos podem ser concebidos para tornar inteligíveis os nomes bárbaros para que nos ritos nenhuma falha possa desfigurar a integridade e consistência da consciência de alguém.
No que concerne ao uso prático – a exaltação da alma – um método esboçado por Therion* pode ser de alguma utilidade. Supondo-se que a cerimônia culmine numa grande invocação, cujo ápice inclui muitas dessas palavras especiais, é possível empregar uma técnica específica, a qual, contudo, implica um pouco de treinamento da imaginação. Essa faculdade deve ser desenvolvida de modo que qualquer imagem de qualquer objeto possa ser formulada claramente diante do olho da mente com vívida distinção e completude; e não apenas isso, mas de maneira que a formulação possa ser sustentada por algum tempo.
Durante a invocação, o teurgo deve imaginar que a primeira dessas palavras intoxicantes é como um pilar de fogo se estendendo como uma coluna vertical e reta na luz astral. À medida que as letras do nome deixam seus lábios e são impelidas para o éter, que ele imagine que sua própria consciência no corpo de luz segue essas letras em sua jornada pelo espaço sutil e é arremessado violentamente ao longo daquele eixo. A palavra bárbara seguinte deve ser concebida ocupando uma coluna talvez duas vezes mais longa ou mais alta que a precedente, de modo que quando a última palavra de invocação for atingida – ignorando no momento a ação e poder inerentes à própria invocação – a consciência será supremamente intoxicada e o ego será subjugado por um sentimento de espanto e fadiga. O eixo deve ser visto no fim para crescer em estatura diante do olho espiritual, ascender cada vez mais alto até que a imaginação seja quase fulminada pela grandeza e imensidão assomadas que gradualmente criou. Esse sentido de temor e maravilhamento produzido por esse viajar no eixo ígneo de cada palavra bárbara é o precursor certo da exaltação e êxtase mágicos. E com a prática o teurgo inventará outros métodos, mais adequados ao seu próprio temperamento e para o emprego satisfatório dessas palavras.
Para o avivamento do trabalho cerimonial a dança, a música e o toque de sinos constituem outros acompanhamentos complementares. Os toques de sinos e sons produzidos por percussão deverão estar em harmonia no que diz respeito à quantidade e ao tipo de operação. Seu uso visa a anunciar o domínio, registrar a nota do triunfo do mago e recuperar a atenção desviada. Quanto à música, trata-se de um assunto muito mais complicado porquanto sua apreciação varia largamente de indivíduo para indivíduo. É, de preferência, omitida em muitas invocações visto que tende mais ou menos a distrair a atenção do teurgo, embora como prelúdio possa ajudar no êxtase e exaltação. Exige a presença de um músico ou músicos e qualquer sinal de embaraço ou falha técnica deste ou destes atrai discordância e fracasso. O violino ou a harpa, produzindo as notas de maior transcendência e exaltação, podem, ocasionalmente talvez ser empregados.
O tuntum com seu selvagem e apaixonado tamborilamento pelos dedos é útil em outros tipos de trabalho nos quais se requer a excitação da energia, ou até mesmo a tranqüilização da mente. Trata-se simplesmente de forçar a mente a acompanhar o compasso rítmico do tuntum, que pode ser aumentado ou gradativamente reduzido até quando tiver desvanecido num silêncio abrandado, seguir-se-á a paz de uma mente tranqüila. A música oriental consiste principalmente desse tipo monótono, encerrando assim um motivo religioso ou místico. Numa apresentação de balé à qual um amigo deste escritor foi convidado em Java, havia cerca de doze dançarinos que envergavam trajes e máscaras grotescos embora deslumbrantemente coloridos, típico do Oriente ostentatório. A orquestra era constituída por cinco músicos: três tocando um instrumento parecido a um enorme xilofone cobrindo apenas cinco notas, e dois percutindo tambores javaneses. Num teatro externo a dança, principalmente produzida com as mãos e os dedos, durou cinco horas sem um único interlúdio. Todo o tempo os aplicados membros da orquestra nativa fizeram soar seus ritmos monótonos até que pareceu aos europeus como se os sentidos e a mente sucumbissem ao ritmo tedioso, passando finalmente ao silêncio.
Uma dança ligeira, de passos curtos, digamos uma simples dança de dois passos, pode ser útil, e acompanhada por um tuntum e um mantra mental dentro de um círculo ou câmara consagrados poderá ser utilizada como elemento precursor do êxtase. Essa dança é particularmente interessante ao mago visto que sua característica é ritmo e a totalidade da natureza é a corporificação de ritmo e graça, ambos aspectos da dança. A dança na natureza é mostrada no crescimento e movimento, pois o movimento é o elemento essencial da vida, o tema representado num palco infinito. Os êxtases da natureza e suas criaturas passaram ao uso ordinário, reaparecendo reiteradamente na linguagem popular. A música das esferas e a dança das hostes dos planetas e corpos celestes nas infinitudes do espaço sempre receberam a devida atenção nas mãos dos maiores filósofos e poetas que sondaram o coração das coisas. Com freqüência, também, se fala – por meio de clichês, é verdade – das cambalhotas dos cordeiros e dos cabritos saltando nos prados verdes; a dança flutuante das nuvens e a pronta ressaca e retirada dos vagalões do mar. Esses fenômenos, o que não são senão a participação conjunta na dança da vida que diariamente, ano após ano, século após século, prosseguem imutados e inalterados e que em sua perpetuidade tem que ser considerada como a própria encarnação do júbilo!
No que concerne ao emprego da dança em operações mágicas, deveria ser absolutamente suficiente o indício fornecido pela dança dos dervixes islâmicos. Esses místicos maometanos são orgulhosos de uma dança que não é, como alguns pensaram, um frenesi descontrolado. No início é precisamente o contrário. Subjacente à sua representação há um motivo altamente religioso: êxtase e união com Alá. De uma posição estacionária eles gradativamente aumentam a velocidade de sua rotação e com os braços estendidos rodopiam com uma tal celeridade que parecem não estar se movendo em absoluto.
Em pouco tempo, esse movimento rotativo induz a uma vertigem tanto corporal quanto mental, a qual por puro esforço da vontade, tem seu efeito adiado e é expulsa da consciência. A dança finalmente culmina no colapso do dervixe num estado de completa inconsciência, e não somente nisto, o que acho importante, como também num estado do mais elevado êxtase. Alguns, ademais, podem estar familiarizados com nomes tais como Shri Chaitanya e seu discípulo Nityananda que vagavam pela Índia no século XV, cantando e pregando, e dançando alegremente a doutrina de Bhakta ou união com Deus por devoção.
Houve também em anos relativamente recentes a figura do eminente mestre religioso Shri Ramakrishna Paramahamsa, cujas freqüentes canções e danças devotas eram tão carregadas de fervor e forte emoção que se diz que transformações morais e espirituais foram produzidas naqueles que tiveram o privilégio de assisti-las. Muitas dessas pessoas, afirma a reportagem, ficavam tão tomadas pela emoção profunda e o arrebatamento de bem-aventurança à vista do mestre dançando que caíam em êxtases e desmaiavam.
No que se refere ao moderno teurgo, o principal objetivo da dança é obter uma exaustão física e uma cessação de todo pensamento. No domínio dessa negatividade, se tiver sido induzida dentro de uma área adequadamente consagrada e banida, pela qual nenhuma entidade ousará se imiscuir exceto a força previamente tornada manifesta mediante as invocações, a presença espiritual invocada poderá se encarnar. Essa é a idéia fundamental da dança,embora alguns possam preferir omiti-la por completo de suas cerimônias. Cada tipo de força, pertencente às várias Sephiroth, disporá de seu próprio tipo de dança, com seu próprio passo e seu próprio tempo.
Um movimento comum à maioria das invocações, que é menos dança do que um ligeiro movimento a passos curtos ou o rodopio, é o circumpercurso. De vez em quanto, é exigido do mago que ele ande de algum dos pontos cardeais um certo número de vezes em torno do círculo, o número específico determinando a natureza da força a ser invocada. Ademais, a direção do circumpercurso, seja para o leste ou oeste, determinará se ele está invocando ou banindo. Um movimento dextrógiro, isto é, horário, invocará, e um movimento sinistrógiro, o precisamente oposto, anti-horário, banirá. Tradicionalmente, o circumpercurso no círculo constitui um método maravilhoso para adquirir potencial e despertar o entusiasmo e força necessários.
CAPITULO X
Nos capítulos anteriores empenhei-me em mostrar de que maneira a teurgia concebe a vontade e a imaginação como sendo os instrumentos da reconstrução do ser humano. Entretanto, me proponho a prosseguir com a questão de tal emprego da imaginação, porquanto a mais fundamental tarefa da magia a isso concerne.
Considerando-se que a substância plástica da luz astral é de modo peculiar suscetível à manipulação de correntes imaginativas, e considerando-se que as imagens confeccionadas nessa luz produzem alterações perceptíveis, se a vontade for suficientemente forte para vitalizar essas imagens, o mago procurará aplicar esses fatos à sua própria esfera.
Atentemos para o fato de que segundo todas as autoridades, a luz astral é tida como de natureza dupla. Há o aspecto astral básico, a chamada serpente enganadora, ocupado pelos cascões decadentes e os fantasmas, e o plano superior, no qual existe uma riqueza de imagens reais, idéias e sugestões espirituais. Elevar-se além da serpente astral até o astral superior constitui obviamente uma tarefa mágica primordial. Invocações do Santo Anjo Guardião e a união teléstica com os deuses e essências universais constituem os métodos supremos de transcender os planos etéreos mais baixos, mas essas são metas máximas às quais todos os métodos e técnicas passam a servir.
Visando a tornar as difíceis metas da invocação e da união mais facilmente obteníveis e menos árduas, os teurgos recomendam uma prática em que o sucesso confere a capacidade de conscientemente transcender o astral inferior e deliberadamente ascender até mesmo além do astral superior rumo aos fogos divinos sem forma dos domínios espirituais. Visto que todos os planos da natureza e todas as forças que se mantêm no universo estão representados na constituição interior do homem, o plano astral em seu aspecto duplo se acha, do mesmo modo, dentro dele.
O aspecto inferior, a fase lunar, corresponde ao princípio humano de Nephesch enquanto que se poderia supor que o plano superior corresponde a Sephira central da Árvore da Vida, Tiphareth, o coração pulsante de Ruach e até mesmo se estende aos limites de Neschamah. Com o aspecto lunar inferior do astral, a região dos cascões qlifóticos, demônios e fantasmas em dissolução dos mortos, o mago tem pouco ou nada a fazer; sua aspiração é dirigida àquilo que está acima, nas camadas superiores da Árvore viva. “Não te inclina para baixo”, advertem os Oráculos Caldeus, “para o mundo tenebrosamente esplêndido, onde repousam continuamente uma profundidade sem fé e Hades envolvido por nuvens, se deliciando com imagens ininteligíveis, precipitadas, tortuosas, um abismo negro sempre rodopiante, sempre desposando um corpo não-luminoso, amorfo e vazio... Não fiques no precipício com a escória da matéria pois existe um lugar para tua imagem num domínio sempre esplêndido.” É o “domínio sempre esplêndido” que realmente diz respeito ao teurgo já que nele estão as forças e poderes que podem se revelar sumamente prestativos a ele em sua busca. Dentro do Nephesch duplo existe um princípio energético substantivo e vital.
O primeiro é o chamado corpo astral ou a duplicata sutil à qual o corpo físico deve sua contínua existência e subsistência. Embora o desenvolvimento desse corpo de Nephesch constitua efetivamente um certo ramo da magia, não é nossa intenção tratar dele aqui já que tem pouca conexão com a alta teurgia. Pertencente ao domínio de Tiphareth existe um aspecto superior desse corpo astral que realmente entra de maneira muito ampla na teurgia prática. Não é realmente um corpo astral no sentido de um modelo vital que proporciona vida ao físico, mas sim um corpo mental ou de pensamento, o veículo direto das faculdades ideais e espirituais, cuja substância é aquela do astral superior ou divino. De acordo com Blavatsky é o Mayavi-rupa, o corpo de pensamento ou de sonho, o invólucro da mente, memória e emoção, conhecido e chamado em teurgia de corpo de luz.
Ora, os teurgos sustentam que esse corpo de luz pode conscientemente ser separado e projetado do corpo, sendo Blavatsky da opinião de que aquele que é capaz de fazer isso é um Adepto! “Separarás o leve do denso atuando com grande sagacidade”, aconselha Hermes Trismegistos. Este corpo de luz, como o veículo dos princípios superiores, pode ser empregado para investigar o mundo interior visando a apurar sua natureza real, e assim a natureza do próprio homem, porquanto as leis do universo são as da mente e vice-versa. O astral superior, com o qual nos tornamos familiarizados através da instrumentalidade do corpo de luz é usado assim como uma escada, por assim dizer, por meio da qual o teurgo ascende ao domínio do espírito supremo, ígneo, criativo e estático.
Conseqüentemente constituem naturalmente um fundamento da magia prática a projeção desse corpo sutil, a aquisição da faculdade de nele atuar com a facilidade com que o fazemos no corpo denso, o treinamento e a educação desse corpo de luz no sentido de satisfazer aos desejos do teurgo. A capacidade de ter êxito nessa fase particular do trabalho depende inteiramente do fato de o mago ter treinado sua imaginação,pois essa é a alavanca mágica para a projeção proposta.
A técnica, em resumo, é a seguinte: sentado confortavelmente numa cadeira – ou, tanto melhor, numa postura de ioga em que se foi treinado, no que nesse caso é fácil – e tranqüilizando sua mente e emoções o máximo possível, o mago deverá tentar imaginar de pé diante dele uma exata duplicata de seu próprio corpo. Caso o mago tenha se envolvido com muita prática dos símbolos dos tattvas ou com os exercícios espirituais de Sto. Inácio e aqueles descritos numa seção anterior deste estudo, não se defrontará com nenhuma grande dificuldade para formular essa imagem.
O teurgo deve conceber vividamente que um simulacro de seu próprio corpo se posta diante dele na mente; e que está vestido como o mago está vestido, de manto mágico com bastão ou espada, dependendo do caso, e que se apresenta de pé ereto, ou sentado numa cadeira, ou numa cômoda e confortável Asana. Caso o mago esteja sentado, a imagem igualmente deverá ser vista sentada. Mediante um supremo esforço da vontade deve-se fazer essa imagem se mover na mente e, observada muito rigorosamente todo o tempo, erguer-se pondo-se ereta sobre seus pés. A parte mais difícil da tarefa do mago se avizinha agora. Para o corpo de luz ele tem que transferir sua própria consciência e é essa transferência que pode se revelar um pouco difícil, pois por vezes ela simplesmente não ocorrerá.
Nesse caso, exercendo cada milímetro de sua vontade e aplicando todo o poder de sua imaginação o máximo possível de maneira que imagine e queira estar no corpo de pensamento, o teurgo deve fazê-lo executar várias ações. A execução de um ritual como o ritual do banimento do pentagrama é um esplêndido exercício, visto que por seu intermédio impele-se o corpo de luz ao movimento, a girar sobre seu próprio eixo e a proferir palavras. Com persistência, o mago poderá constatar depois de várias tentativas que em vez desse corpo de luz executando o ritual como um autômato sob sua observação, ele próprio o estará executando dentro do próprio corpo de pensamento. Esses métodos soltam as vigas-mestras da alma e abrem os portais fortemente trancados da mente. Além disso, pode acontecer que à medida que o mago recita uma invocação, seguindo mentalmente cada um dos pontos do ritual com atenção e cuidado, ele se descobrirá quase sem sabê-lo no corpo de luz.
O efeito estimulante das palavras, as sugestões que elas incorporam devem, em alguns casos, ajudar materialmente na transferência. “Eu piso sobre as alturas! Eu piso sobre o firmamento de Nu! Eu ergo uma chama rutilante com o relâmpago de meu olho, sempre impelindo para a frente no esplendor do Ra glorificado diariamente, outorgando minha vida aos habitantes da terra!” “Eu ascendo, ascendo como um falcão de ouro!” As duas primeiras sentenças, particularmente, se recitadas com entendimento e sentimento devem muito compreensivelmente bastar no caso de alguns indivíduos para produzir o resultado desejado. Mesmo fisicamente, essas palavras forçam alguém a se erguer nas pontas dos pés, como se pisando sobre o firmamento de Nu, e os veículos sutis, sem dúvida, acompanharão. O sucesso tendo sido atingido, a transferência deveria ser praticada reiteradamente até que finalmente o mago possa vestir sua estrutura física e dela despir-se tal como um homem comum se despe de seu sobretudo. Mas uma vez realizada a projeção efetiva, começa a verdadeira tarefa, já que o corpo de luz tem que ser treinado para mover-se e ver no plano astral; isto embora pouco tempo seja suficiente para que responda ao treinamento, tornando-se então capaz de se mover e ver com a própria rapidez de relâmpago do próprio pensamento.
Tão logo conseguiu habitar o corpo de luz, o teurgo deverá empenhar-se em ver com seus sentidos astrais. Deve tentar ver as coisas e objetos físicos existentes no apartamento que acabou de deixar, observando o corpo, sua habitação terrestre anterior, os móveis, as paredes, o teto e tudo o mais. Quando descobrir que isto pode ser feito de maneira inteiramente simples e que os sentidos astrais respondem de modo totalmente descontraído, então poderá elevar-se diretamente rumo aos céus e observar o que de lá pode ser visto. Tudo é principalmente uma questão de educação. Do corpo de luz, do veículo solar flamejante do anjo precisa ser feito um digno instrumento, e tal como se ensina a uma criança de um ano como falar, engatinhar e andar, deve-se treinar esse sutil corpo de pensamento a atuar perfeitamente em seu próprio plano.
Será nessa prática que o teurgo descobrirá que o que eram símbolos convencionais no mundo exterior são realidades dinâmicas que vivem sua própria existência nesse astral ou mundo do pensamento. E sua meta deverá ser investigar esse domínio inteiramente na multiplicidade dos aspectos e departamentos que ele continuamente apresenta, visto que realmente coincide com os limites de seu próprio conhecimento consciente e subconsciente. Com esse único objetivo em vista, várias tarefas abrangentes deverão ser empreendidas. Aqueles símbolos dos tattvas que foram anteriormente os objetos de concentração e o exercício da imaginação podem ser utilizados como sigillae por meio dos quais sejam produzidas visões que revelarão a natureza invisível do símbolo. No corpo de luz uma porta poderia ser imaginada, na qual está inscrito um triângulo equilátero vermelho de Tejas, como um exemplo. Atravessando essa porta e observando o tipo de paisagem, os seres angélicos que falam ao teurgo e as conversações que se seguem devem dar a este uma boa idéia da significação e do sentido implícitos do símbolo. Ora, parece haver uma relação absoluta entre símbolos e realidades visionárias no plano astral.
A visão do tattva deve ter provado isso de forma inquestionável. Estão registrados inúmeros exemplos de um símbolo que é dado a um skryer, símbolo com o qual ele jamais esteve antes familiarizado e que nunca vira antes. O significado do símbolo só é conhecido do detentor do mesmo. O resultado da visão obtida ilumina e corrobora o conhecimento do detentor do símbolo. Este procedimento tem sido seguido repetidas vezes e igual número de vezes uma visão que concerne com precisão à natureza do símbolo tem sido obtida, sendo aconselhável que o procedimento seja utilizado relativamente aos outros símbolos e subelementos dos tattvas. Do mesmo modo devem ser investigados por esses meios os símbolos astrológicos dos planetas, os signos do zodíaco bem como as imagens do tarô. Isso deve descortinar um vasto campo de pesquisa para cada mago já que em primeiro lugar uma espécie totalmente nova de conhecimento pode assim ser adquirida. A natureza de um símbolo até então desconhecido para ele pode ser investigada e uma significação baseada na observação e experiência vinculada a ela. Inúmeros experimentos abrangentes devem ser concebidos com o propósito de familiarizar o mago com a natureza do plano.
Quando essas visões astrais não conferem nenhum conhecimento real, devem ser descartadas como meros exercícios técnicos mediante os quais se obtém competência. A habilidade tendo sido conquistada, e estas visões de experiência vital não sendo mais encontradas nem um novo conhecimento adquirido, desaparece o valor da prática. Sabe-se que algumas pessoas tolas que são capazes de viajar no astral nada mais fazem, nada conquistando e sem nenhum benefício. Para elas, uma visão astral não tem significação espiritual, e a intoxicação astral é a forma insidiosa de corrupção espiritual, que então se apodera delas, e elas vagam perdidas, degenerando em meros “vagabundos” astrais.
Que o aprendiz registre isso no coração: o astral tem que ser empregado ou para obter conhecimento definido ou para servir de trampolim, um degrau na escada celestial rumo a planos ainda mais sutis; caso contrário, só haverá aí estagnação contínua, dominada pela intoxicação, emaranhada nos laços sedutores serpentinos que tentam o imprudente e o temerário. Trata-se de um mundo reflexivo onde se pode perder-se facilmente a menos que a aspiração seja pura e forte. Horas, dias e até anos podem ser gastos em visões fúteis que resultam em tão pouco proveito quanto permanecer horas a fio olhando-se num espelho. “Para aqueles aos quais em sua evolução espiritual surgem essas aparições eu diria: tente ser o senhor de sua visão, e busque e evoque a mais grandiosa das memórias terrenas, não aquelas coisas que apenas satisfazem a curiosidade, mas as que engrandecem e inspiram e nos proporcionam uma visão de nossa própria grandeza; e a mais nobre de todas as memórias da Terra é o augusto ritual dos antigos mistérios, nos quais o mortal, em meio a cenas de inimaginável grandeza, era despido de sua mortalidade e tornado membro da companhia dos deuses.”
É mister que se informe que existem métodos mediante os quais é possível que o teurgo teste a exatidão de sua visão e apure se não foi grosseiramente ludibriado por elementais ou pela natureza de sua própria mente geradora de fantasias. Graças a esses métodos evita-se, inclusive, a possibilidade de perder-se no labirinto de fantasmagoria astral. Supondo-se que o teurgo tenha obtido uma visão de Mercúrio, digamos através dos selos mercurianos de Cornélio Agrippa ou a Clavícula de Salomão, o Rei, ao retornar ao seu corpo, sua primeira tarefa deveria ser anotar a experiência num diário especial mantido para essa finalidade. De passagem, deveria ser feito o pedido da vida do mago no sentido de conservar um diário cientificamente elaborado com o registro das visões e experimentos mágicos, já que isso conduz à ordem e ao equilíbrio que é a direção para a qual sua aspiração tende. Que se frise que essas visões devem ser registradas de uma maneira verdadeiramente científica porquanto este registro elimina muitas possibilidades de ambigüidade, considerando-se, ademais, que a memória nem sempre é infalível ou confiável após o transcurso de um certo período de tempo, o procedimento que poderá ser novamente acompanhado na verificação e averiguação da visão devendo ser registrado por escrito. Imediatamente após cada experiência e visão dever-se-á dar atenção ao diário.
Nas colunas do Magus de Barrett ou no De occulta philosofia, no qual se baseia muito do primeiro, no Liber 777 de Crowley e no Garden of Pomegranates de minha autoria encontrar-se-á uma ampla gama de correspondências naturais e simbólicas a cada um dos trinta e dois caminhos da Árvore da Vida. Para a verificação de sua visão o mago deve recorrer a essas atribuições, visto que a experiência tem revelado, como afirmei anteriormente, uma conexão real entre os símbolos e as atribuições do alfabeto mágico e as realidades subjetivas. Se a visão de Mercúrio encerrar elementos irregulares, de cor ou número, que essas colunas atribuem, digamos, a Marte ou Saturno, o aprendiz poderá estar certo de que algo radicalmente errado ocorreu, medidas devendo ser tomadas imediatamente no sentido de repetir a visão inteira, assegurando-se de que nenhum erro ou confusão relativamente à visão ocorram novamente. À medida que a experiência se amplia, o mago retém em sua memória um amplo alfabeto de correspondências e à medida que se torna mais familiarizado com a natureza daquele plano passa a perceber instantaneamente se a visão procede corretamente, sua crescente intuição, inclusive, advertindo-o quando há alguma ameaça de perigo à coerência. Nunca é demais relembrar que uma das mais importantes tarefas que cabem ao mago é a verificação da visão por referência ao alfabeto mágico. Furtar-se a essa verificação científica e exame crítico da visão resulta em acabar mais cedo ou mais tarde chafurdando no lodo viscoso de intoxicação astral, com a perspectiva de avanço e progresso desaparecendo imperceptivelmente no ar.
É necessário, contudo, observar algumas precauções antes de projetar o corpo de luz. Deixar o corpo físico sozinho sem a inteligência orientadora e o controle do eu interior é equivalente em muitos casos a estender um convite aberto a qualquer entidade astral, maligna ou não, que esteja nas vizinhanças para dele tomar posse. Não há necessidade de alimentar qualquer apreensão quanto ao bem-estar do corpo já que Nephesch, a sede das forças vitais e o corpo de desígnio nele permanece a fim de prover o prosseguimento de suas funções e da vida física. Mas a obsessão tem que ser, a todo custo, evitada. A possessão da estrutura humana por um demônio de face canina subverte o objetivo e procedimento mágicos.
Por conseguinte certos métodos foram concebidos para impedir a possibilidade de obsessão, deixando o corpo absolutamente seguro enquanto a alma voa rumo aos fogos sagrados. Algumas autoridades acreditam que circundar o corpo com um círculo imaginário de luz branca constitui um dos métodos de proteção mais eficientes, visto que sendo o branco a cor do trono do espírito mais elevado, nenhum espírito menor ousaria tentar desafiar sua guarda. Outros são a favor da projeção no interior de um círculo mágico adequadamente traçado, pintado em cores com todos os nomes divinos externamente e as figuras geométricas internamente. Nesse caso, entretanto, o círculo tem que ser consagrado e cerimonialmente submetido ao banimento por um ritual apropriado, um procedimento um tanto incômodo e árduo para uma prática tão freqüente. Por esse motivo assevera-se que o ritual de banimento do pentagrama por si só é suficiente para assegurar a devida proteção, eliminando toda possibilidade de possessão demoníaca.
O retorno ao corpo após uma visão deve ser objeto de muito cuidado e a devida precaução deve ser tomada. Ao entrar na estrutura física deve-se deliberadamente respirar profundamente algumas vezes a fim de assegurar a estreita conjunção dos dois organismos, sugerindo-se, ademais, que se assuma fisicamente uma forma divina e se vibre um nome. Usualmente basta a forma de Harpócrates, ou seja, postar-se em pé, ereto, o braço esquerdo à frente do corpo, o dedo indicador pousado nos lábios em sinal de silêncio, acompanhando-se essa postura da pronunciação audível do nome do deus. Não conseguir assegurar a união das duas essências do corpo de pensamento e o corpo físico pode redundar em desastrosas conseqüências.
A consulta do Livro dos mortos do Antigo Egito será de proveito bastante considerável para o leitor, pois aí o Tuat e o Amentet, as subdivisões da luz astral, foram objeto de rigorosa observação e classificação precisa. Na segunda parte do capítulo CXXV, o deus Osíris é visto sentado numa extremidade do salão de Maat, acompanhado das deusas da lei e da verdade, juntamente com os quarenta e dois assessores que o auxiliam. Cada um desses quarenta e dois deuses representa algum entre os nomos do Egito e ostenta um nome mágico simbólico. Nessa concepção percebe-se o imenso talento dos sacerdotes-teurgos egípcios que criaram correspondências entre os planos da luz astral e os nomos ou divisões distritais do país do alto e baixo Nilo.
Mediante o cuidadoso estudo deste e subseqüentes capítulos o teurgo juntará aos poucos muitas informações úteis acerca da luz astral e dos Guardiões e Mantenedores dos Pilones através dos quais ele terá que passar em sua auto-iniciação. Embora o Livro dos Mortos represente esses pilones como aqueles através dos quais o morto tem que passar a caminho do repouso no Amentet, são também aplicáveis aos portais pelos quais o Skryer na visão espiritual tem que entrar. Esses portais guardados com seus vigias semelhantes a deuses não devem ser consideradas ficções,pois como será descoberto no desenrolar das investigações, o mago se aproximará de alguns desses portais fechados e nenhuma quantidade de artifícios mágicos ou bajulação dos guardiões dos santuários e mansões selados lhe proporcionará o ingresso a estes. A recusa em entrar constitui um sinal certo de indignidade e indica acima de tudo toda a incapacidade de existir naquele condição rarefeita. Indica, adicionalmente, que o corpo de luz necessita ser purificado, tornado incandescente e resplandecente, iridescente e auto-reluzente, um organismo solar que emite a luz radiante do espírito interior.
É somente assim que o mago pode atingir estados mais ígneos e exaltados e obter permissão dos anjos-guardiões de espadas flamejantes aos pilones sagrados e aos portais interiores. Os meios para efetuar essa purificação são as execuções freqüentes do ritual do pentagrama, formulando dessa forma mais clara e radiantemente o corpo de pensamento e a celebração diária de alguma forma da eucaristia que infunde no corpo de luz a substância purificadora da essência espiritual.
As visões que serão então obtidas serão de uma elevadíssima ordem. Pode ser que depois de algum tempo transcorrido o teurgo fique espantado por descobrir que seu papel de observador imparcial de uma visão cessou e que, de algum modo, a visão está ocorrendo em torno de seu próprio ser, e que ele está mergulhado numa tremenda experiência espiritual que jamais será apagada da memória consciente por todos os seus dias na Terra. Iniciações no sentido real e não na implicação de uma cerimônia formal de sala de loja devem ser aí estimuladas, o teurgo participando como um candidato aos mistérios sagrados. Relativamente a essas iniciações, é ocioso dizer, o pedido não é feito sob nenhuma forma escrita. Elas simplesmente ocorrem. E quando ocorrem não há dúvida ou incerteza quanto ao que está ocorrendo. Como tipo de experiência realmente comovente que a espécie mais elevada de visão astral pode assumir, cito a seguinte:
“Havia um saguão mais vasto do que qualquer catedral, com pilares que pareciam ter sido construídos de opala viva e trêmula ou de algumas substâncias estelares que brilhavam com todas as cores, as cores do anoitecer e da aurora. Um ar dourado incandescia nesse local e no alto entre os pilares existiam tronos que desvaneciam gradualmente, rubor a rubor, na extremidade do vasto saguão. Neles se sentavam os reis divinos. Eram encimados pelo fogo. Eu vi a cimeira do dragão sobre um deles e havia um outro emplumado de fogos brilhantes que se arrojavam como plumas de chama. Mantinham-se sentados brilhando como estrelas, mudos como estátuas, mais colossais do que imagens egípcias de seus deuses, e no extremo do saguão existia um trono mais elevado onde se sentava alguém maior do que os demais. Uma luz semelhante ao sol fulgurava com incandescência atrás dele. Abaixo, sobre o chão do saguão, jazia uma figura escura como se estivesse em transe, e dois dos reis divinos executavam movimentos com as mãos ao redor da figura, sobre sua cabeça e corpo. Percebi no ponto em que suas mãos oscilavam como chispas de fogo semelhantes aos lampejos de jóias irrompiam. Daquele corpo escuro emergiu uma figura tão alta, tão gloriosa, tão brilhante quanto aquelas sentadas nos tronos. À medida que despertou para o saguão tornou-se ciente de sua parentela divina, erguendo as mãos numa saudação. Retornara de sua peregrinação através das trevas, mas era agora um iniciado, um mestre do grêmio celestial. Enquanto ele as observava, as altas figuras douradas levantaram-se de seus tronos também, com as mãos erguidas em saudação, e passaram por mim, e desvaneceram rapidamente na grande glória atrás do trono*.”
Ademais, a Árvore da Vida da Cabala deve constituir-se como objeto de muita pesquisa e experimentação nesse plano. O skryer deve praticar a ascensão de uma Sephira para a outra, analisando a natureza da esfera cuidadosamente, subindo por todos os ramos dessa Árvore que brota dos céus resplandecentes acima descendo em glória para a terra multicolorida abaixo. Todos os caminhos que irradiam das dez Sephiroth e que as unem devem ser cuidadosamente explorados e registrados no diário científico. É desse modo que o autoconhecimento é conquistado porquanto a Árvore é um mapa simbólico não só da constituição interior do próprio homem como também da estrutura e forças de todo o universo em cada uma de suas fases numerosas.
“O universo...”, escreveu Crowley, “...é uma projeção de nós mesmos, uma imagem tão irreal quanto aquela de nossos rostos num espelho, e no entanto, como este rosto, a necessária forma de expressão dele, não para ser alterada exceto à medida que alteramos a nós mesmos... Sob essa luz, portanto, tudo que fazemos é descobrir a nós mesmos por meio de uma seqüência de hieróglifos e as mudanças que aparentemente operamos são num sentido objetivo ilusões... Capacitam-nos a nos ver e, conseqüentemente, a nos ajudar a iniciarmos a nós mesmos mostrando-nos o que estamos fazendo.”
Estudando esse mapa simbólico no astral mediante os recursos do corpo de luz, o mago acabará familiarizado com todos os aspectos de sua própria consciência e do próprio universo. As visões que ele percebe, evocadas pelo uso dos sigilli, são outras tantas revelações de sua própria consciência em suas diferentes partes com as quais ele nunca esteve antes familiarizado. Para descerrar as várias camadas da mente e da alma, juntamente com seus conteúdos de forma dinâmica, a luz astral e sua investigação no corpo solar ígneo constitui o meio par excellence, que supera qualquer outro. Assim é o autoconhecimento granjeado. Assim é também a autoconsciência, no verdadeiro sentido, atingida servindo como um prelúdio às harmonias sinfônicas da união celestial.
Os resultados dessa prática são muitos tangíveis e salutares. Pôr de lado a possibilidade da projeção consciente do corpo de luz e descartar como destituídos de importância as experiências vitais e o autoconhecimento obtidos no astral divino mediante a reprovação superficial de que “é tudo imaginação” é absurdo, para dizer o mínimo. Somente a experimentação, e nada mais, demonstrará se a aventura no empíreo é uma realidade suprema ou uma fantasia, mesmo admitindo-se que os passos preliminares tenham sido dados pelos canais da imaginação. Prometeu liberto foi primeiramente concebido na fértil imaginação criativa de Shelley, mas quem seria suficientemente tolo a ponto de rejeitar a beleza intrínseca desse poema ou negar sua realidade imorredoura devido à sua origem imaterial? A
plica-se aqui uma forma de consideração bastante similar. Por meio da imaginação, o mago cria um sutil instrumento de pensamento com o qual pode medir, investigar e explorar um plano de consciência do universo já existente mas até aqui desconhecido. Em todo caso, em pouco tempo poderá ocorrer ao mago, por mais cético que ele possa e deva ser, que as entidades angélicas que encontra no desenrolar de suas visões, suas conversações e o tratamento que delas recebe dificilmente são produtos de sua imaginação. Nem se perceberá que se trata de criações subjetivas, especialmente quando, talvez para sua consternação inicialmente, as coisas “comecem a zumbir”.
Mas desejo agora tratar de um dos mais importantes resultados que se desenvolve a partir desse importante ramo da teurgia. Antes da consecução do sucesso na projeção do corpo de luz, a consciência humana era inseparável do corpo físico. Os apetites e desejos desse veículo tinham se identificado com o próprio Ruach. De posse da capacidade de transferir a consciência para o corpo de luz criado na imaginação se infere uma significativa conclusão filosófica. A alma é absolutamente distinta do ser do corpo, e através dos métodos corretos pode ser separada dele e tornada independente.
A princípio, não se deve tirar a conclusão precipitada de que a alma é imperecível e imortal, pois isso não foi ainda verificado pela experiência. É ainda Ruach, entretanto, o falso ego, que se mantém na transferência. Não há mudança alguma no ser individual ou na natureza da própria consciência pois a projeção do corpo de pensamento não é análoga à experiência mística que aniquila a dualidade e traz êxtase e iluminação. O teurgo permanece a mesma pessoa que era antes, e a dualidade ainda habita sua consciência. Contudo, consumou-se uma imensa mudança de perspectiva ou ponto de vista. Enquanto está no corpo de luz, quando a transferência de consciência foi efetuada com êxito, ele pode ver deitado diante de si, embora adormecido, o corpo físico que há apenas um momento ou pouco mais ele deixou vago, de modo que sabe, por um ato de observação ordinária, que ele não é seu corpo, visto que aquele corpo físico ele pode deixar à vontade.
Ele é uma entidade espiritual, assoma a compreensão, a qual pode funcionar independentemente de seu organismo corpóreo. O que agora se torna imperativo é o aniquilamento da dualidade. O objetivo imediato é a transcendência de Ruach, abrir escancaradamente suas portas, de maneira que o verdadeiro ego espiritual possa ser descoberto. Mediante essa descoberta, quando a iluminação e o êxtase invadem a esfera da mente, ocorre também a grande compreensão de que a própria alma é imortal; que a mente, a emoção e o corpo não passam de veículos dessa alma, instrumentos a serem empregados a serviço de seu próprio alto propósito. E o meio para a descoberta e a busca da senda mágica. Invocações, formas semelhantes aos deuses assumidas enquanto no corpo sutil e a ascensão aos planos são estradas para a comunhão com o deus interior.
Que essas práticas prossigam por mais algum tempo e o esforço persista para incluir a purificação do envoltório mental, este se desenvolvendo sempre de forma gradual para uma organização espiritualizada. O velho princípio de inércia, indolência e negrume, chamado pelos hindus de Tamas,torna-se rompido e é ejetado da esfera mágica. Os ocos do cérebro, outrora pesados, impenetráveis e escuros, tornam-se leves e estranhamente luminosos. E ocorre um curioso fenômeno que traz júbilo ao coração do mago uma vez sua significação tenha sido compreendida. Enquanto nos velhos tempos a noite era passada no profundo esquecimento do sono, ou no máximo na fantástica aventura do sonho, agora a consciência é retida mesmo durante o sono. Não há nenhum longo hiato de esquecimento; tudo é uma contínua corrente de fluxo livre de percepção enquanto o corpo dorme, não fragmentado durante o dia ou a noite por lapsos inconscientes. Não há como superestimar a importância dessa realização. Uma nova qualidade de pureza no sentido hindu do Sattva gradualmente se manifesta; uma qualidade de ritmo, continuidade e bem-aventurança. C
om esta infiltração da qualidade do Sattva e a ejeção dos elementos tamásicos da esfera da personalidade, a claridade e a luminosidade crescem no cérebro, e a consciência não de Ruach mas da alma superior persiste a cada hora. E assim a vida é conquistada, pois a alma está acima de sua vil compreensão. A morte, o horror cinzento e pavor da humanidade, e derradeiro desespero dos filósofos, é transcendida. Somente o corpo morre. A mente e as emoções também morrem. Mas permanece sempre inalterado e impassível o anjo divino da luz sagrada, purificado pela prova, triunfante acima das mutações da vida e da morte – calmo, sereno e imperturbável no conhecimento de sua própria imortalidade.
Portanto, é impossível louvar no justo merecimento os resultados do skrying na visão espiritual, pois essa prática pode conduzir o mago às alturas mais sublimes da Árvore da Vida, onde o ar é puro e o ponto de vista claro e imaculado. Existe, naturalmente, o perigo inicial de ou perder-se nas rotas secundárias não-mapeadas daquele plano ou ficar enlaçado no abraço sedutor das formas reluzentes e visões astrais fugazes das profundezas. Entretanto, tudo isso é elementar. Se a aspiração for mantida sem mancha e pura e se os princípios céticos da Cabala forem aplicados, haverá pouco perigo de tal coisa acontecer. E então poderá o mago tranqüilamente alçar seu caminho além de sua personalidade, além dos fantasmas resplandecentes do astral, passando pelas visões esplêndidas e pérfidas dotadas de engodo e fascínio, até o coração interior do homem celestial, onde o Senhor de tudo está entronado.
Antes do início de uma visão, ou qualquer operação mágica, é aconselhável que o aprendizrealize um completo banimento, que é tanto purificador quanto protetor. O melhor e mais rápido método de banimento é através do Ritual de Banimento do Pentagrama. O pentagrama expressa, de acordo com Lévi, “o domínio da mente sobre os elementos e é por meio deste signo que nós os prendemos... É o símbolo da Palavra feita carne e, conforme a direção de seus raios, representa o bem ou o mal, a ordem ou a desordem... Um signo que resume na significação todas as formas ocultas da natureza e que sempre tem manifestado aos espíritos elementares e outros um poder superior ao que lhes é próprio, que naturalmente os atinge com medo e respeito, forçando-os à obediência mediante o império do conhecimento e da vontade sobre a ignorância e a fraqueza.”
A fim de compreender o significado da forma geométrica do pentagrama e entender porque nele está encerrado o poder de banir todas as forças inferiores a partir de uma dada esfera e porque ele é a “Palavra feita carne”, faz-se necessária uma breve recapitulação dos aspectos da Cabala. Um dos nomes divinos pelos quais os judeus concebiam a força criadora universal era YHVH, o qual denominado Tetragrammaton acabou por ser considerado como o equivalente dos quatro elementos do cosmos. Foi também concebido para representar o homem não-iluminado comum no qual a luz do espírito não fizera ainda sua aparição; o não-regenerado ser de terra, ar, fogo e água, entregue às coisas do eu não-redimido. Por meio de magia considerava-se que nesses quatro elementos sobre os quais a carne é baseada o Espírito Santo descia em meio a fogo, glória e chamas.
Em hebraico o elemento Espírito é tipificado pela letra Shin com seus três forcados dardejantes de fogo espiritual unidos sob a forma de um princípio. Rompendo em pedaços o ser carnal e carregando consigo os germes de iluminação, inspiração e revelação, o Espírito Santo forma por sua presença no coração uma nova espécie de ser, o Adepto ou Mestre YHShVH. Essa palavra em hebraico é o nome de Jesus, o símbolo do homem-deus, uma nova espécie-tipo de ser espiritual, do qual não há nada maior em todos os céus e planos da natureza. Devido a esse fato e às idéias sintetizadas no signo do pentagrama, o símbolo dos quatro elementos encimado pela flama coroadora e conquistadora do Espírito Santo, ele detém sua incomparável eficiência e poder de subjugar toda oposição astral e expulsar substância grosseira do ser do mago.
O resultado dependerá inteiramente da direção para e de qualquer das cinco pontas na qual essa figura seja traçada pelo mago. Procedendo da ponta mais alta e descendo numa linha reta à ponta direita inferior, os poderes do fogo são invocados. Por outro lado, se o mago traçar com seu bastão a figura do canto esquerdo para o alto ele banirá os elementais da terra. Pode-se observar, ademais, que é este último tipo de pentagrama que é usado no ritual do pentagrama, geralmente suficiente para banir seres de quaisquer classes. E a espada para representar a faculdade crítica afastadora de Ruach é geralmente instrumento empregado nesse sentido. O chamado Ritual do Pentagrama assumiu o significado de ser puramente um ritual de banimento, embora na realidade seja uma estrutura composta. Antes de abordá-lo eu o cito:
1. Tocando a testa, diga Atoh (para ti).
2. Tocando o peito, diga Malkuth (o Reino).
3. Tocando o ombro direito, diga ve-Geburah (e o Poder).
4. Tocando o ombro esquerdo, diga ve-Gedulah (e a Glória).
5. Apertando as mãos sobre o peito, diga Le-Olahm, Amen (para sempre, Amém).
6. Voltando-se para o leste, faça um pentagrama da terra com o bastão ou a espada, e diga (vibre) YHVH.
7. Voltando-se para o sul, o mesmo, mas diga ADNI.
8. Voltando-se para o oeste, o mesmo, mas diga AHIH.
9. Voltando-se para o norte, o mesmo, mas diga AGLA.
10. Estendendo os braços na forma de uma cruz, diga:
11. Diante de mim, Rafael.
12. Atrás de mim, Gabriel.
13. À minha direita, Miguel.
14. À minha esquerda, Auriel.
15. Pois em torno de mim flameja o pentagrama.
16. E na coluna se posta a estrela de seis raios.
17. Repita de 1 a 5, e a cruz cabalística.
Nesse sentido pode revelar-se interessante ao leitor o fato de Aleister Crowley ter observado que aqueles “que encaram esse ritual como um mero instrumento para invocação ou banimento de espíritos são indignos de tê-lo. Compreendido corretamente é a medicina dos metais e a pedra dos sábios”. Em sua execução há, como observei, um movimento complexo. O ritual primeiramente invoca e, tendo banido pelo pentagrama todos os elementos dos quatro pontos cardeais com a ajuda dos quatro nomes de Deus, ele então evoca os quatro arcanjos como guardiões divinos para protegerem a esfera da operação mágica. No encerramento, mais uma vez invoca o eu superior, de maneira que do começo ao fim a cerimônia inteira ocorre sob a vigilância do espírito. A primeira parte, que vai do ponto 1 ao ponto 5, identifica o Santo Anjo Guardião do mago com os aspectos mais elevados do universo sefirótico; na verdade, afirma a identidade da alma com Adão Kadmon.
Na segunda parte, do ponto 6 ao 9, o mago traça um círculo de proteção ao mesmo tempo que sua imaginação está formulando um círculo de fogo astral dentro do qual ele possa proceder ao seu trabalho. Ao norte, sul, leste e oeste desse círculo pentagramas de banimento do elemento terra são traçados com o bastão ou a espada. À medida que esses pentagramas são formados em meio ao ar com a arma elementar, todo esforço deve ser feito no sentido de transmitir vitalidade e realidade a eles. A realização cega e insensível desse ritual, tal como se revela verdadeiro em relação a todo aspecto da teurgia, é absolutamente inútil além de ser uma perda tanto de tempo quanto de energia.
A imaginação, simultaneamente, deve ser estimulada para criar esses pentagramas em torno do mago no plano astral em figuras incandescentes, de sorte que através das linhas num jorro de luz e poder, representantes do ser espiritual nenhuma entidade menor de qualquer espécie ousa abrir caminho. É necessário que o mago se certifique de não abaixar a arma elementar depois de formular um pentagrama em meio ao ar. O círculo tem que ser completo, prosseguindo numa linha ininterrupta de pentagrama a pentagrama. A estrela fulgurante de cinco pontas é como a espada flamejante que privou Adão do éden. Os quatro arcanjos, os regentes espirituais dos quatro elementos, são então invocados para dar legitimidade ao trabalho, e poder e proteção espirituais tanto aos pentagramas circundantes quanto ao círculo onde o mago se encontra encerrado. A última frase do ritual declara os pentagramas inflamados em torno dele e invoca novamente o Santo Anjo Guardião para que a operação seja selada com o selo da luz divina.
Um dos resultados de grande significação e importância desse ritual, se corretamente realizado na maneira indicada, é a limpeza de toda a esfera da personalidade. Bastará um pouco de prática para demonstrar ao jovem teurgo se está conseguindo atingir o efeito necessário. É extremamente difícil, lamento dizê-lo, descrever o resultado do banimento, como seguramente é o caso da maioria das matérias concernentes ao domínio subjetivo da sensação e percepção. Deve haver um claro senso, inequívoco em sua manifestação de limpeza, mesmo de santidade e sacralidade, como se todo o ser fora suave e integralmente purificado, e todo elemento impuro e sujo disperso e aniquilado. Tal como um mergulho num rio de águas frescas num dia quente de verão nos deixa abençoados com uma sensação de frescor e purificação, assim deve ser esse ritual.
A base racional de sua ação depende da purificação dos constituintes da natureza do mago. Cada molécula, cada célula – astral, mental e física – é envolvida, visto que a base de cada princípio se funda em centros de energia e força espiritual. Esses pontos microscópicos ou mônadas são os minúsculos pontos sensíveis de consciência espiritual, e na realidade de sua existência e função estão baseados não só o sentido mais profundo de individualidade como também o fundamento da própria matéria, e seus acompanhamentos de energia e vida física. Essas mônadas estão na raiz da célula seja de um mineral, seja da matéria cerebral bem como da vida vegetal.
O resultado da formulação do círculo do fogo e dos pentagramas flamejantes, da vibração dos nomes divinos e da invocação tanto dos anjos dos pontos cardeais quanto do Santo Anjo Guardião é que gradualmente as células mais grosseiras ou átomos monádicos são ejetados da esfera da consciência. Para substituí-las, outras vidas, mais sensíveis e refinadas, de uma qualidade mais sutil de substância espiritual, são atraídas à esfera do ser e infundidas na própria substância da constituição física e invisível. Assim uma purificação vital ocorre, permitindo que a influência do Santo Anjo Guardião penetre o cérebro e mente refinados para difundir através da personalidade sua presença e graça, um importante passo inicial para o progresso mágico.
A história desse ritual em particular é um tanto obscura. Não constatei nenhum outro espécimen a ele semelhante que se vincule à Antigüidade, embora obviamente lguma forma similar de banimento tenha sido necessariamente utilizada. Podem-se encontrar em Lévi as primeiras referências ao ritual em pauta. No Dogma e Ritual de Alta Magia encontramos a seguinte afirmação:
“O sinal da cruz adotado pelos cristãos não lhes pertence com exclusividade. É também cabalístico e representa as oposições e o equilíbrio tetrádico dos elementos. Havia originalmente dois métodos de fazê-lo, um reservado aos sacerdotes e iniciados, o outro separado para os neófitos e profanos. Assim, por exemplo, o iniciado, erguendo a mão até a testa, dizia ‘Teu é...’, em seguida levava a mão ao peito, ‘...o reino’, depois a transferia para o ombro esquerdo, ‘Justiça’, e finalmente ao ombro direito, ‘e misericórdia’; então juntando suas mãos, ele acrescentava ‘através das gerações’. Tibi sunt Malkuth et Geburah et Chesed per aeonas – um sinal da cruz absoluta e esplendidamente cabalístico e que as profanações da Gnosis perderam inteiramente para a igreja oficial e militante. O sinal feito dessa maneira deve preceder e encerrar a conjuração dos quatro.” Percebe-se por certo que esse método é apenas uma parte do ritual que reproduzi anteriormente. É indubitavelmente ao ritual do pentagrama que Lévi alude.
Na agora extinta Ordem da Aurora Dourada, sob a liderança do falecido S. L. McGregor Mathers, esse ritual era usado extensivamente e, depois de sua morte e da destruição de partes de sua Ordem, dele se apropriou Aleister Crowley, que o perpetuou no seu periódico The Equinox. Antes dessa reimpressão não fui capaz de localizar qualquer referência de autoridade a qualquer coisa que seja minimamente semelhante a esse ritual.
Existe evidência, contudo, que mostra que alguma forma de proteção ou um banimento preliminar eram reconhecidos pelos magos medievais dos quais, a julgar pelo conteúdo, Francis Barrett recebeu seus métodos. O débito dele não é menor com Cornélio Agrippa e Pietro de Abano. Em O Magode Barrett há a afirmação segundo a qual antes de começar as invocações deveria haver alguma “oração ou salmo, ou evangelho para nossa defesa em primeiro lugar”, e numa página adiante Barrett fornece uma forma de consagração do círculo na qual a idéia da defesa é distintamente formulada.
Além disso, há o método do emprego do pentagrama mencionado nas instruções mágicas da Goécia,da Clavícula de Salomão,desenvolvidas pormenorizadamente pelo mago francês. A figura mágica é traçada como um sigillum com suas palavras e símbolos apropriados sobre metal ou pergaminho virgem para uso durante a cerimônia. Caso haja ameaça de perigo para o exorcista, ou ele se ache incapaz de enquadrar a inteligência evocada em sua vontade, o pentagrama deverá ser seguro alto na mão e levado em circumpercurso aos quatro quadrantes onde uma curta alocução ao Senhor do Universo é recitada. O resultado realmente é idêntico ao traçado e formulação da figura no ar com o verendo da arte.
Há, ademais, uma variação que poderia ser mencionada, embora seja uma forma que deveria figurar em todo trabalho cerimonial. É chamada de Licença para partir, e ocorre nesses cerimoniais nos quais uma inteligência foi conjurada à aparição visível no triângulo da arte. Quando o operador não deseja mais que o espírito permaneça no triângulo, a licença é recitada permitindo que o espírito desmaterialize e parta do cenário da operação.
“Ó tu espírito N, porque respondeste diligentemente às minhas exigências e estiveste muito disposto e desejoso de atender a minha chamada, eu aqui te dou licença para partir para teu lugar adequado, sem causar mal ou perigo a homens ou animais. Parte, pois, eu digo e esteja tu pronto para atender ao meu chamado, estando devidamente exorcizado e conjurado pelos ritos sagrados da magia. Eu te ordeno a se afastar pacífica e sossegadamente e que a paz de Deus continue sempre entre tu e eu. Amém!”
Barrett apresenta uma ligeira variação da licença acima da Goécia: “Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, ide em paz para os vossos lugares; que haja paz entre nós e vós; estejai vós pronto para quando chamado.” Ele acresce posteriormente que quando o espírito partiu, o mago não deve sair do círculo durante alguns minutos, mas que uma breve oração deve ser feita dando graças pelo sucesso da operação e “orando pela futura defesa e conservação, o que sendo ordenadamente realizado vós podereis partir”.
Numa nota de rodapé, fazendo uma advertência adicional, Barrett acrescenta que aqueles que omitem a licença do espírito se acham em seriíssimo perigo, pois soube-se de casos nos quais o operador experimentou morte súbita. Não se pode dizer que esses vários métodos pareçam tão científicos ou tão confiáveis quanto o Ritual do Banimento do Pentagrama descrito páginas atrás. O ritual como aqui é dado é um dos mais singulares existentes e não deve jamais, sob circunstância alguma, ser omitido em qualquer operação mágica, seja esta magia cerimonial formal, a celebração da missa do Espírito Santo, ou skrying na visão espiritual. A esfera da personalidade é mantida pura e limpa, impedindo que qualquer entidade estranha irrompa no interior do raio de percepção, destruindo assim a continuidade e coerência daquele trabalho particular.
Dois outros métodos de banimento restam para serem descritos. Quando numa cerimônia se faz necessária a realização de um banimento mais completo que o proporcionado pelo ritual do pentagrama, costuma-se empregar uma técnica que se assemelha um pouco a um exorcismo oficial. Algumas gotas de água são borrifadas em torno do círculo, uma vela ardente representando o elemento fogo é deliberadamente apagada, um leque é agitado no ar e alguns grãos de sal são jogados à beira do círculo. Ao mesmo tempo, devem ser pronunciadas as palavras mágicas “Exarp, Bitom, Hcoma e Nanta”,cada uma das quais controla o espírito do ar, fogo, água e terra. Deve-se também recitar um conjuro para a partida dos elementais governados por esses nomes e, é claro, é melhor que seja precedido pelo ritual do pentagrama. Vários dos versículos dos Oráculos Caldeus podem ser empregados com grande proveito com cada uma das ações cerimoniais mencionadas.
O outro método é um que era utilizado pelos sacerdotes egípcios, estando contido num dos capítulos do Harris Magical Papyrus. Trata-se de um ritual de banimento a ser executado nos quatro pontos cardeais, formulando na imaginação um guardião sob a forma de um cão, o qual se supunha ser terrivelmente destrutivo contra qualquer força agressora. Não tentarei descrevê-lo, preferindo transcrevê-lo textualmente do Harris Magical Papyrus:
“Surge, cão do mal, para que eu possa instruir-te em tuas presentes obrigações. Estás aprisionado. Confessa que assim é. É Hórus que produziu este mandamento. Que teu rosto seja terrível como o céu partido pela tempestade. Que tuas mandíbulas se cerrem impiedosamente... Faz teus pelos eriçarem como varetas de fogo. Sê tu grande como Hórus e terrível como Set; igualmente para o sul, para o norte, para o oeste e para o leste... Nada te obstará enquanto colocares tua face em minha defesa... enquanto tu colocares tua face a serviço da proteção de minhas sendas, opondo-te ao inimigo. Eu te concedo o poder do banimento, de se tornar completamente silente e invisível, pois tu és meu guardião, corajoso e terrível.”
Essa forma de banimento, em qualquer caso, deve ser acompanhada pelo ritual do pentagrama. É usada principalmente em difíceis operações de evocação, nas quais pode haver algum perigo representando por uma entidade particularmente maligna atraída ao templo e que invade um círculo ordinariamente consagrado, em detrimento do mago. Tem sido também usada na invocação de Hórus, ou das inteligências do planeta Marte, quando se deseja particularmente que a esfera astral esteja completamente limpa e pura. Ocioso enfatizar, estou certo, que se esse método for empregado, a formulação na imaginação do cão-guardião deverá ser tão precisa quanto aquela dada para o pentagrama, e o teurgo deverá atribuir importância, no que diz respeito à figura no olho de sua mente, aos dados fornecidos no próprio conjuro.
(Autor: ISRAEL REGARDIE)
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