27 de maio de 2012
ÁRVORE DA VIDA - Um Estudo Sobre Magia II
CAPITULO II
É bastante provável que de maneira tonitruante seja emitida de certas fontes a condenação de que o sistema indicado nesta obra como magia faz somente referência ao princípio da constituição humana pertinente exclusivamente à natureza inferior. Em decorrência dessa classificação, não é difícil antecipar que toda a técnica teúrgica venha a ser inteiramente condenada como “psiquismo”, por exemplo, nos círculos teosóficos. Na verdade, como poucas considerações bastariam para demonstrar, tal condenação é mal colocada e injustificada. A fim de retificar esse ponto de vista de uma vez por todas, apresentamos A árvore da vida ao público leitor. Abomino essa loquacidade teosófica.
Permitam que registre aqui minha repugnância por suas classificações demasiado simplistas, sua contínua disposição de aplicar rótulos de mordaz opróbrio a coisas parcialmente compreendidas. Não fosse o caso de sentir-me tão profundamente envolvido com a magia – sustentando que nela possa ser encontrado o meio de tomar o reino dos céus de assalto – esse abuso e propositada censura dos teósofos seria merecidamente ignorado e relegado àquela esfera de desprezo a que com justiça pertencem. Tem havido em geral excessiva incompreensão quanto ao que é a magia e qual a ação por ela orientada. É tempo de esclarecer de uma vez por todas essa fonte contínua de confusão por meio da formulação dos princípios elementares de sua arte.
Em sua renomada obra Estâncias de Dzyan, em torno da qual toda a A doutrina secreta* se acha organizada como um comentário, Madame Blavatsky nos informa que cada homem é uma sombra ou centelha de uma divindade de sabedoria, poder e espiritualidade superlativos. Esses seres sensíveis são chamados de deuses ou Essências universais por uma das autoridades em teurgia. Uma autoridade em teosofia da atualidade, o dr. Gottfried de Purucker escreve o seguinte:
“A parte mais refinada da constituição do ser humano é, em cada caso, um filho da parte espiritual de um ou outro dos gloriosos sóis espalhados pelo espaço sem fronteiras. Vós sois deuses em vossas partes mais interiores, átomos de algum sol espiritual...”
A definição conferida a um deus em A doutrina secreta é a de um ser hierárquico que nas épocas mais remotas do empenho evolutivo, há muitíssimo tempo, era um ser humano tal como o somos agora. Por meio de esforço e progresso consciente uniu-se àquela Realidade Espiritual difundida através das ramificações e fundações do universo. Por ocasião dessa união, entretanto, a individualidade essencial da experiência foi retida. Mas transcendida a personalidade, o ser retomou seu papel natural de dirigente, por assim dizer, ou Regente do universo, ou de alguma porção ou aspecto particular do universo. Visto que, baseado nessa definição, o homem é a centelha de uma tão grandiosa consciência, um filho dos deuses cósmicos, o curso de sua vida só poderá se orientar para o aspirar pela união com seus progenitores espirituais. Tanto a origem da magia quanto sua raison d’être se encontram na efetivação dessa união.
* Publicação da Ed. Pensamento. (N. T.)
Espero mostrar nestas páginas que a técnica da magia está em estreito acordo com as tradições da mais remota Antiguidade, e que conta com a sanção, explícita ou implícita, das mais excelentes autoridades. Jâmblico, o divino teurgo, tem muito a dizer em seus vários escritos sobre a magia; do mesmo modo em Proclo e Porfírio, e mesmo na moderna literatura teosófica oficial, há obscuras referências, embora inexplicadas e jamais desenvolvidas, à magia divina. Diversas boas invocações procedentes dos registros gnósticos e as várias recensões do Livro dos Mortos serão apresentadas próximo à conclusão deste livro, e pesquisas baseadas nas concepções mágicas egípcia e qabalística nos demais capítulos deste livro.
Resumir, portanto, a magia de maneira vaga com a única palavra “psiquismo” é um completo absurdo, para dizer o mínimo. Conheço teósofos, todavia, e percebo a necessidade de antecipar suas objeções com ampla contraposição. O mago tem que estar no controle de toda sua natureza; todo elemento constituinte em seu ser precisa ser desenvolvido sob a vontade ao auge da perfeição. Princípio algum deve ser reprimido, já que cada um é um aspecto do espírito supremo, tendo que cumprir seu próprio propósito e natureza. Se o teurgo se envolve, por exemplo, com viagem astral – parte da Grande Obra à qual as objeções da teosofia serão mormente dirigidas – assim será por três razões principais:
Primeira,na chamada luz astral ele pode perceber um exato reflexo de si mesmo em todas as suas várias partes, qualidades e atribuições, sendo que um exame desse reflexo tende naturalmente para uma espécie de autoconhecimento. Segunda, a definição da luz astral do ponto de vista mágico é extremamente lata, incluindo todos os planos sutis acima ou no interior do físico, o objetivo do mago sendo ascender constantemente aos domínios mais fervorosos e mais lúcidos do mundo espiritual. Os elementos mais grosseiros da esfera de Azoth, com suas imagens sensórias e visões opacas obscurecidas, precisa ser sempre transcendido e deixado bem atrás.
Éliphas Lévi chega a estabelecer, por razões de ordem prática, apenas duas grandes classes de planos no universo: o mundo físico e o mundo espiritual. Terceira, antes que essa porção particular do mundo invisível possa ser transcendida, é necessário que seja conquistada e dominada em cada um de seus aspectos. Todos os habitantes dessa esfera têm que ser submetidos ao mago, aos seus símbolos mágicos e obedecer inequivocamente à realidade da Vontade Real que esses últimos simbolizam. No nosso plano e em nosso domínio de vigília da experiência ordinária, os símbolos são meramente representações arbitrárias de uma significação inteligível interior. São as assinaturas visíveis de uma dignidade metafísica ou espiritual, por assim dizer. Na luz astral, entretanto, esses símbolos assumem existência independente revelando sua realidade tangível, e conseqüentemente são de máxima importância. As evocações são empreendidas pelo mago não por curiosidade ou para satisfazer a uma sede pelo poder, mas sim com a finalidade única de trazer essas facetas ocultas de sua própria consciência para o âmbito de sua vontade, submetendo-as então ao seu domínio.
Pode-se, talvez, definir como objeto do psiquismo o estímulo e a preservação do eu inferior às expensas ou na ignorância do eu superior. Trata-se de uma abominação merecedora da mais severa censura. Na magia não se fazem tentativas para aquisição de poderes em proveito próprio, ou com qualquer propósito abjeto ou nefando. Qualquer poder adquirido deve instantaneamente ser subordinado à vontade, e mantido em seu próprio lugar e adequada perspectiva. Essa questão de poderes é bastante curiosa, tendo obtido, devo acrescentar, maior destaque em meio ao público somente a partir do advento do culto ao espiritualismo e da formação das organizações teosóficas. Por que os indivíduos – particularmente alguns teósofos – cobiçam ou encaram como encaram os poderes astrais ou outros poderes ocultos para sua própria vantagem e uma morbidez patológica que escapa a minha compreensão.
No início de sua carreira, o mago é compelido a compreender que sua exclusiva aspiração diz respeito ao seu eu superior, ao seu Santo Anjo Guardião, e que quaisquer faculdades que sejam obtidas precisam ser subordinadas a essa aspiração. Qualquer trabalho menor que seja realizado necessita ter um motivo espiritual definido. Uma aspiração por qualquer coisa que não seja o Santo Anjo Guardião* constitui realmente, salvo raras exceções, um ato de magia negra que é, portanto, sumamente abominável. Deve ficar, por conseguinte, óbvio para todos que o psiquismo, entendido como o desejo de poderes psíquicos anormais que sirvam como fim em si mesmos, é absolutamente estranho à intenção e meta dessa técnica.
Uma outra objeção a ser levantada provavelmente é que a magia pode levar à mediunidade. Esta é também uma crítica improcedente por várias razões. Tem sido observado corretamente que tanto o médium quanto o mago cultivam o transe. Mas a exatidão da observação pára por aí, pois entre os respectivos estados de consciência do médium e do mago há uma colossal diferença.
Na linguagem popular encontramos a idéia vulgar segundo a qual gênio e loucura estão associados. A distinção efetiva é que num caso o equilíbrio de gravidade está acima do centro normal da consciência; no outro encontra-se abaixo, e a consciência de vigília foi invadida por uma horda inicial de impulsos subconscientes descontrolados. Idéia idêntica se aplica ainda com maior força à comparação do médiumcom o mago, pois o médium cultiva um transe passivo e negativo que arremessa seu centro de consciência para baixo, para o interior do que podemos chamar de Nephesch.
O mago, por outro lado, é intensamente ativo tanto de um ponto de vista mental quanto espiritual, e embora ele também se empenhe no transe noético para manter os processos de raciocínio em suspensão, seu método consiste em elevar-se acima deles, abrir-se para os raios telésticos do eu superior de preferência a descer a esmo ao limo relativo de Nephesch. É esta a única diferença. O cultivo da vontade mágica e a conseqüente exaltação da alma é a técnica da magia. O transe espírita não é nada mais nada menos que uma descida não-natural à inércia e à consciência animal. Abdica-se de toda humanidade e divindade no transe passivo negativo a favor da vida animal e da obsessão demoníaca. A abdicação do ego racional no caso do mago ocorre em favor de uma realização espiritual noética, não do torpor da vida instintiva e vegetativa. Por conseguinte, a magia não está associada sob qualquer ponto de vista à mediunidade passiva.
Antes de passar à exposição dos princípios fundamentais da magia, é necessário esclarecer minha posição no que concerne às fontes de filosofia teórica que estão na base de minha interpretação pessoal da técnica da magia. Ficará bastante óbvio que estou em grande débito com a teosofia. Muitas práticas mágicas encontram sua base na Qabalah Prática dos filósofos hebreus e na teurgia sacerdotal dos egípcios. Fragmentos foram selecionados de várias fontes e sou grande devedor de um grande número de pensadores anteriores a mim e também contemporâneos, e a todos sou grato.
No que diz respeito a teosofia, acho uma questão de honestidade confessar – a despeito das observações depreciativas aqui registradas contra a conduta de certos teósofos – que por Blavatsky só posso alimentar a maior admiração e o maior respeito. Muito da superestrutura filosófica exibida em A doutrina secreta só indica tácita aquiescência e sincera concordância com minhas idéias.
Minha própria concepção da filosofia mágica deve o que há nela de concatenado e claro aos desenvolvimentos em religião e filosofia comparadas dos quais Blavatsky me muniu. Todavia, minha postura é eclética, selecionando aqui, rejeitando ali, e formando a partir do todo uma síntese coerente e consistente que agrade ao intelecto e satisfaça à alma. Sinto que não posso aceitar a totalidade do ensino de Blavatsky em várias de suas comunicações. Há muito com o que simpatizo inteiramente, com o que se experimenta a um tempo orgulho e felicidade assimilando-se a própria filosofia pessoal, e, ao mesmo tempo, há muito que desagrada e repugna o senso interior.
Também muito devo, e não em menor grau, às obras de Arthur Edward Waite, em particular a seus resumos do ensino qabalístico. Há uma quantidade considerável de boa literatura escrita por esse agora idoso contemporâneo que é sumamente encantadora, informativa e sublime, entoando cantos por vezes de incomparável eloqüência. E é esse aspecto de excelente erudição e lirismo que acho não deve ser esquecido, embora algumas vezes pareça arruinado pela freqüência de passagens em seus escritos que provocam justificável reprovação. São de uma turgidez e pomposidade abismais, e exibem uma tendência desnecessária à crítica destrutiva. Mas eu, no que diz respeito aos sentimentos pessoais, tenho um lugar cálido no fundo de meu coração para o sr. Waite, e lhe devo bem mais do que meras palavras são capazes de expressar, e a título de suplementação ao presente estudo recomendo enfaticamente a todos os leitores o seu Doutrina secreta em Israel e A Santa Cabala.
Embora nas obras do eminente mago francês cujo pseudônimo era Éliphas Lévi Zahed haja muita tagarelice sem sentido que não tem a menor conexão com a magia, percebe-se aqui e ali no Dogma e ritual da Alta Magia e em suas outras obras, cintilando como estrelas no bojo do firmamento, reluzentes pepitas do mais puro ouro no negro minério da obscuridade e da trivialidade. Devo confessar, contudo, estar pouco impressionado em todos os aspectos com sua própria ficha como mago prático, visto que, ao que tudo indica, a sua chamada evocação da sombra de Apolônio de Tiana resultou em pouquíssimo.
Lévi constitui um problema difícil para a maioria dos leitores. Ademais, ele sobrecarregou a si mesmo com uma confusão, ou uma tola tentativa de reconciliar a magia com o catolicismo romano. Assim, sem uma sólida compreensão dos princípios fundamentais da Qabalah e da filosofia comparativa ficará sujeito a ser arremessado de cabeça nos vários fossos que ele supre para os incautos.
S. L. McGregor Mathers e W. Wynn Westcott também me forneceram muito que servisse de fundamento nesta filosofia mágica, particularmente o primeiro, e muito material útil pode ser reunido a partir das obras de ambos. O mundo terá de ser eternamente grato a Mathers por sua tradução de O livro da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago e A Introdução ao Estudo da Cabala, de Westcott é talvez um dos mais atraentes textos elementares a respeito desse assunto. Entretanto, a aceitação da totalidade das opiniões desses escritores levaria a uma crise aguda de indigestão mental. Em cada um há vários elementos da verdade – verdade, ao menos para cada aprendiz – mas sondando o fundo observa-se um ligeiro resíduo de exagero, mal-entendidos e erro.
Observar-se-á, igualmente, que faço freqüentes citações de Aleister Crowley, e é imperioso que eu defina claramente minha posição relativamente a esse homem genial. Deixando de lado o opróbrio de magia negra que lhe foi dirigido violentamente por muitos indivíduos completamente ignorantes do que ele ensinou, há muita coisa importante em Crowley, muita filosofia e pensamento original tanto sobre Qabalah quanto sobre magia belamente expressos em prosa e verso e de concepção profunda.
Acho lamentável que o público seja privado dessa novidade e originalidade superlativas que pertencem a Crowley e despojado daqueles aspectos de seus ensinamentos que são bons, enaltecedores e duradouros, simplesmente por causa de uma certa parte de sua produção literária que é certamente banal, insignificante, sem importância e indubitavelmente repreensível.
As personalidades e vidas particulares desses indivíduos não me dizem respeito em absoluto, e não me sinto inclinado a discuti-las. Quase todos eles, numa ocasião ou outra, foram atingidos pelas ferroadas e setas do mau juízo de uma multidão maliciosa. Também não me dizem respeito nem esta multidão nem a natureza das invectivas que lançam, pois a magia nada tem a ver com elas.
A cada aprendiz, portanto, cabe a tarefa de determinar para si mesmo o que deve ser verdadeiro e confiável e estabelecer por sua própria conta um padrão de referência sem controvérsia. E esse padrão deve ser experiência espiritual. Por isso, a Árvore da Vida Qabalística foi adotada como a estrutura da magia prática, visto que está, em primeiro lugar, aberta à classificação sintética e construtiva, e porque fornece aquilo que pode ser apropriadamente chamado de alfabeto mágico.
É preciso notar que a palavra “alfabeto” é empregada, e empregada de preferência à palavra linguagem e aos seus desdobramentos. A Qabalah não procura suprir uma completa linguagem mágica ou uma inteira filosofia. Essa última só pode ser conquistada mediante experiência espiritual. Mas a partir do alfabeto de idéias, números e símbolos e das sugestões apresentadas por ele, o aprendiz poderá se achar capacitado, com o auxílio da pesquisa mágica, a construir um edifício satisfatório de elevada filosofia que o conduzirá ao longo da vida.
(Israel Regardie)
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