12 de agosto de 2012

ÁRVORE DA VIDA - Um Estudo Sobre Magia VIII

CAPITULO V
Em relação à complexa controvérsia filosófica de séculos relativa à subjetividade ou objetividade dos fenômenos, há alguns problemas sumamente abstrusos a serem resolvidos por cada teurgo. Cada um desses problemas clama imperiosamente por resposta. A Cabala deixa toda a questão aberta para ser respondida eventualmente sob a luz da experiência espiritual. Esse grande problema não é passível de ser descurado, embora a prática mágica não precise necessariamente ser afetada por uma opinião sustentada preferivelmente a uma outra.

Muitos teurgos preferiram o óbvio ponto de vista direto isento de todas as complexidades da metafísica. Considera todas as coisas individuais, os deuses e todas as forças da natureza como existindo independentemente entre si e exteriores à consciência individual; que o teurgo não passa de uma porção infinitesimal da grandeza majestosa da universalidade.

Essa teoria pressupõe que as hierarquias espirituais existem da maneira mais objetiva concebível. Em algum lugar do universo em algum plano sutil invisível há uma inteligência chamada Taphthartharath, por exemplo, que é um ser tão real em seu próprio modo como o alfaiate de alguém o é no seu, e que como o alfaiate ele responde quando convocado através dos métodos apropriados. Taphthartharath é assim tão independente dos sentidos e consciência do mago quanto este é independente dos sentidos de uma mosca doméstica ordinária. Ambos existem objetivamente cada um em seu próprio plano à sua própria maneira. As mesmas observações se aplicam aos vários planos sutis da natureza com os quais o mago entra em contato. Embora sejam invisíveis e compostos de uma substância sutilíssima e rarefeita, ainda assim, do mesmo modo, são objetivos para sua própria mente. Assim, o progresso na teurgia implica uma união real entre a consciência menor do mago e a consciência maior do deus. O primeiro é assimilado à própria estrutura e natureza do segundo.


Um dos postulados fundamentais da magia é que o homem é uma imagem exata em miniatura do universo, ambos considerados objetivamente, e que aquilo que o homem percebe como existente externamente está também, de alguma maneira, representado internamente. Uma interpretação dessa idéia fornecida por Blavatsky – e, na verdade, por todos os filósofos ocultistas, inclusive Steiner e Heindl – é que o homem foi formado pela ação de diversas hierarquias criadoras, sendo que cada uma delas não apenas contribuiu com alguma parte de si mesma, como também efetivamente desceu à Terra e se encarnou em natureza humana.

Evidências semelhantes existem no Livro dos Mortos, demonstrando que entre os egípcios não havia nenhuma parte do homem que não estivesse relacionada com as essências universais; que cada membro e parte de sua natureza era, na verdade, o membro de algum deus. Com base nessa teoria, os deuses e as essências universais passam a ser apreendidos no domínio da constituição interior do homem, prestando-se à interpretação de que a arte teúrgica não envolve a convocação de entidades exteriores, que é o caso da teoria da objetividade, mas sim a revelação das faculdades inerentes ao próprio ser humano. Desse ponto de vista, a experiência mística não se refere primariamente a qualquer assunto externo. Formulando esse elemento de um modo um pouco mais preciso, a transformação espiritual da união é fundamentalmente um reajuste de elementos psíquicos entre si, o que capacita a máquina inteira a funcionar harmoniosamente. Não há necessariamente introdução através dos canais do ritual mágico de novas idéias, ou deuses.

Graças a esse meio ocorre uma expulsão de idéias decadentes que obstruíram o processo vital com conseqüências desastrosas. A organização psíquica ou alma não estivera em harmonia consigo mesma, e através dos mecanismos da magia ela agora gira verdadeiramente em torno de seu próprio eixo, e ao fazê-lo encontra simultaneamente sua verdadeira órbita no sistema cósmico. Tornando-se una consigo mesma, efetuando este reajuste dinâmico, esta retomada da integridade de sua consciência, ela se torna una com o universo, ou com alguma porção do universo. O processo é análogo ao que acontece no plano físico com uma pessoa cuja mandíbula, por exemplo, é deslocada. O infeliz com uma mandíbula deslocada não está apenas em desarmonia consigo mesmo, como também com o universo; nem seus próprios esforços nem aqueles de seus amigos podem ajudá-lo. Mas então surge um cirurgião que, aplicando uma ligeira pressão, coloca a mandíbula no lugar; aquele homem é devolvido à harrmonia e – é claro – o universo é estaticamente transformado. Assim, a “união com um deus” e o êxtase que daí advém são o resultado de harmonizar ou equilibrar por meio da magia as várias até então conflitantes ou separadas porções da consciência. Nada novo foi acrescentado à mente ou invadiu a esfera da consciência a partir do exterior para que um homem devesse estar tão iluminado e capacitado a perceber com fino arrebatamento a beleza da natureza e a glória esplêndida no coração de todas as coisas. Certos centros de sua mente ou idéias poderosas, até aqui latentes no interior dos departamentos de seu próprio ser, foram estimulados a tal ponto que uma síntese mais elevada e um mundo melhor são revelados.


Visto que é sua própria consciência que o mago deseja influenciar, expandir e elevar-lhe os limites, é preciso apresentar uma breve exposição dos métodos pelos quais os teurgos concebem essa consciência. Previamente, a Árvore da Vida foi considerada como um símbolo numérico da progressão ordenada do universo a partir da idealidade; como um meio de classificação para referência sistemática das hierarquias espirituais; e, em terceiro lugar, como a estrutura de referência para idéias, símbolos e signos que estão presentes na magia prática.

As Sephiroth podem ser pensadas como forças cósmicas, como emanações cuja esfera principal de operação se acha no macrocosmo. Por analogia e já que o ser humano é, por definição, o microcosmo, princípios similares têm preponderância na economia humana. As hierarquias de deuses, sendo cósmicas em suas atividades, são também, das mais grandiosas às mais modestas, representadas em alguma parte dos princípios que na sua totalidade compreendem o que conhecemos como homem, exatamente como elas em si mesmas, como a totalidade das forças cósmicas, são incluídas na concepção unificadora do Homem celestial.

O poeta celta A. E. em seu mais recente trabalho, Song and its fountains [A canção e suas fontes], no qual ele se empenha para descobrir a fonte da criação lírica numa entidade espiritual interna além da imaginação, percebe com suma beleza essa concepção. “Penso que poderíamos descobrir se nossa imaginação é profunda fazendo os raios de nossa personalidade transbordarem para algum zodíaco celeste. E, como em sonho, o ego é drasticamente dividido em isto e aquilo e tu e eu, de sorte que na totalidade de nossa natureza estão todos os seres que os homens imaginaram, aeons, arcanjos, domínios e poderes, as hostes das trevas e as hostes da luz, e podemos trazer este ser múltiplo a uma unidade e ser herdeiros de sua sabedoria imensurável.”
Dos grandes seres que surgiram na alvorada do tempo ao mais baixo elemental e eon, todos os deuses e forças celestes estão contidos no homem, que é o templo vivo do Espírito Santo.

A Coroa, a primeira Sephira, representa o espírito auto-existente, eterno, supremo, que não nasce e não morre, e que persiste sublimemente ao longo das eras fugazes. Chamado pelos Zoharistas de Yechidah, o “Único”, é por definição um ponto de consciência metafísica e espiritualmente sensível, indivisível e supremo, o centro do qual flui a energia e força do homem. O homem íntegro é um espírito, um centro eterno de consciência, todos os outros princípios sendo variações de suas atividades, invólucros de sua própria substância, espiritualidade e corporeidade sendo tão-só duas facetas de uma e mesma essência.

A mônada é como um espelho e, embora imutável em si mesma, reflete ao mesmo tempo a harmonia de todas as outras mônadas com as quais, no corpo de Adão Kadmon, está em conjunção indivisível. Seus veículos diretos são os poderes de Chokmah e Binah – Sabedoria e Compreensão, os dois pólos manifestos do instrumento criador que ela emprega. E, no entanto, não são apenas instrumentos, mas, na realidade, os mais elevados aspectos da atividade do ser espiritual cuja luz consagrada é infinita e eterna. No homem essas duas Sephiroth são representadas pelos princípios chamados Chiah e Neschamah, a vontade e a alma espiritual cuja natureza é intuição. Existindo no plano da criação, refletindo as potências que emanam do Eu divino no mundo arquetípico, a vontade e a alma constituem com a mônada o imperecível homem inalterável. Não a mônada sozinha, pois como princípio é demasiadamente abstrato e espiritualmente indiferente para ser concebido como homem, mas essa trindade de Sephiroth forma coletivamente uma unidade metafísica que é o deus interior, o criador na vida individual, o artista e o poeta, o gênio cujas criações ideais são projetadas a partir de sua própria essência divina para dentro da consciência de despertar-de-um mundo de seu veículo imediato.

É essa tríade celestial, a mônada com seus veículos da vontade e intuição, a qual é efetivamente um deus, uma inteligência divina na Terra para a obtenção de experiência e autoconsciência. Quanto mais se entra em comunhão com essa entidade e quanto mais firmemente está a consciência pessoal entrincheirada em sua consciência mais terna e mais extensiva que tudo abarca, mais se compreende plenamente o sacramento da encarnação, atingindo o esplendor total daquele eterno milagre: a humanidade. No criador do universo individual realmente vivemos, nos movemos e somos. Contudo, tão absurdos são os caminhos dos homens e a tal ponto nos desviamos do essencial, que poucos de nós conscientemente compreendem nossa divindade; que nós, como Cristo, como Buda, como Krishna somos filhos de Deus, deuses em verdade.

Chiah é a vontade, o primeiro veículo criativo da mônada, e sua atividade é sabedoria e discernimento, bem como aquela força misteriosa de criatividade chamada por Blavatsky de Icchashakti. É também como o aspecto ativo do buddhi da teosofia, normalmente o escrínio da mônada, peculiarmente conectada ao esplendor da serpente enrodilhada, a Kundalini, simbolizada pela Uraeus encontrada na fronte e cobertura de cabeça de muitas divindades egípcias. Como Chiah é o poder criativo energético ativo e visto que na magia prática o bastão é o instrumento cerimonial da criação, o bastão é o símbolo verdadeiro da vontade espiritual, aquele que ereto ascende aos céus, um poder de criação vigoroso e irresistível.

Estando Neschamah em oposição a Chiah na Árvore, é feminina e passiva, representando a verdadeira visão espiritual da intuição ou imaginação. Como o cálice no altar está sempre aberta para receber os ditames e comandos emitidos de cima. A ela também se refere a imaginação espiritualizada chamada Kriyasakti, que com a vontade constitui o poder por excelência utilizado na magia.

Esses três princípios, como as Sephiroth superiores, existem além do Abismo, se refletindo descendentemente no universo fenomênico da consciência humana, no qual a alma humana provida da vontade inferior, memória e imaginação se agita. Mas enquanto essas existem abaixo do Abismo, seus nôumenos existem acima do Abismo sem a limitação e restrição que a mente inferior e as condições humanas geralmente impõem a elas. Quanto mais alguém se abre para a vontade divina e a imaginação divina do deus interior, maior se torna na manifestação da divindade de si mesmo, um oráculo dos mais elevados, um veículo imaculado do mais puro fogo espiritual. Tal como um poeta ou um músico é tão-somente assim e jamais diferentemente quando a inspiração apocalíptica está sendo nele derramada de sua própria fonte divina, fato que, entretanto, na maioria dos casos é sequer reconhecido e muito menos compreendido e encorajado, um homem existe como melhor místico e maior mago na renúncia em sacrifício devoto à oblação de sua própria vontade e ego humanos, de maneira que a Vontade de seu Pai no céu possa ser consumada na Terra.

Como as Sephiroth superiores e as Essências cósmicas se projetam em formas mais densas e em matéria menos sutil, do mesmo modo atuam as Sephiroth humanas em obediência à lei do macrocosmo. Abaixo do Abismo, as cinco Sephiroth seguintes recebem o nome de Alma humana ou Ruach, um princípio composto de razão, vontade, imaginação, memória e emoção centradas na Sephira da harmonia. É este Ruach que é o veículo criado do eu real, um mecanismo, por assim dizer, criado através de longos eons de evolução, esforço e sofrimento como um recurso para obtenção de contato com o mundo externo, de modo que pela experiência assim obtida o eu possa atingir uma compreensão autoconsciente de seus próprios poderes divinos e natureza elevada. É em Ruach que a autoconsciência é centrada, embora seja verdadeira a anomalia psicológica de que esse mecanismo de percepção, desenvolvido somente como um instrumento, usurpa o poder daquele que lhe deu origem, colocando a si mesmo num pedestal como o ego, como aquele que possui poder real, discernimento, vontade e capacidade de resolver os problemas da vida. Este Ruach que chama a si mesmo de “eu”, alterando-se momentaneamente com o passar do tempo, perturbado pelo fluxo e pela onda premente de pensamentos mutáveis e emoções convulsivas, é precisamente a coisa que não é “eu”. Simplesmente um veículo, ele assumiu – como um macaco simula as ações de seu dono – a prerrogativa de uma existência independente, divorciando a si mesmo de seu próprio senhor divino, a energia que exclusivamente lhe concede vida e sustento.

Em magia é esse ego empírico, esse eu inferior que tem que ser oferecido em sacrifício ao Santo Anjo Guardião. Como o conceito de sacrifício implica que aquilo a que se renuncia deva ser o melhor e maior sacrifício, um Ruach bem desenvolvido, bem treinado em todos os processos da lógica e do pensamento, bem munido de conhecimento e observação, e perfeito na medida do possível nas coisas de seu próprio domínio, constitui o maior sacrifício que o mago pode depositar sobre o altar como uma oferenda ao Supremo. “Aquele que perder sua vida a encontrará.”

Normalmente, devido à natureza ilusória da mente em que está focalizado o centro da consciência, e devido à sua própria predileção por coisas inexpressivas e ilusórias, a nossa visão do eu superior está obscurecida, impedindo nosso contato mais estreito com a consciência real, permanente e imortal que realmente nos pertence. É, portanto, mediante o sacrifício do falso ego que podemos atingir a conversação espiritual e o conhecimento do Santo Anjo Guardião.

Somente através da renúncia da mente e da completa destruição de sua natureza ilusória, o desenraizamento daquele elemento que concede egoísmo a uma mera combinação de percepções, tendências e memórias, pode o deus interior se manifestar e conferir a magnífica bênção do êxtase místico à alma humana. Para que não haja uma interpretação errônea relativamente às palavras destruição, renúncia e sacrifício do ego, entenda-se que o próprio princípio não é destruído, o que constitui uma impossibilidade em todos os casos. Mas o falso valor do ego, sua complacência, a ilusão de que ele apenas é real e permanente, tudo o mais sendo suas criações – isso é oferecido para a destruição. Quando a afetação e o falso egoísmo no Ruach são desenraizados, ele é um instrumento da alma superável por poucos.

A nona Sephira é o fundamento do homem inferior. É chamada de Nephesch* e é aquele princípio lunar vegetativo e instintivo que concerne unicamente ao ato de viver. Essa alma animal é a um único e mesmo tempo um princípio de energia e substância plástica, a totalidade das correntes de vitalidade bem como o molde astral invisível na superfície do qual os átomos grosseiros se arranjam como o corpo físico. Como um princípio substantivo, ele é o corpo astral, o duplo plástico construído de substância astral e que serve de base ou esboço do corpo físico. Nutrido pela luz astral, precisamente como o corpo físico é nutrido pelo produto e as energias da terra, é comparável ao que é denominado subconsciente – a despeito de não possuir nem mente nem inteligência próprias – de maneira que todo pensamento que temos, toda emoção que sentimos, toda ação que praticamos deixam uma impressão ou memória indelével sobre aquela substância, preservando assim no corpo astral o reflexo e registro automático da vida passada.

Todas, ou quase todas, as características atribuídas pelos psicanalistas ao subconsciente são analogamente atribuíveis a Nephesch, ou ao menos àquele aspecto de Nephesch que diz respeito aos instintos e impulsos, e que atua como um depósito automático de sensações e impressões, tal como a expressão inconsciente coletivo pode muito bem ser aplicada ao nosso conceito de luz astral. Todos os instintos fundamentais de um homem, os impulsos radicais primários que ele vivencia, pertencem à Sephira Yesod, o fundamento do qual toda a energia vital flui.

Todos esses princípios se mantêm e operam como um organismo vivo no princípio do corpo físico, Guph, atribuído à decima e última Sephira, o Reino, a sede de toda força e função de todos os planos sutis da natureza e de todo poder espiritual do homem; de toda verdade, e nesse sentido o corpo humano é o Templo do Espírito Santo.

É com respeito a Ruach ou Manas inferior que desejo, em particular, me estender um pouco mais. Embora ele compreenda as cinco Sephiroth numeradas de quatro a oito inclusive, sua sede central é em Tiphareth, a esfera da harmonia e equilíbrio. E embora, também, a vontade e a imaginação em seus aspectos vitais estejam colocadas acima do Abismo nas Sephiroth superiores na constituição imperecível do homem interior, estão em Ruach os pálidos reflexos daqueles dois poderes que são de particular interesse para os teurgos na busca de suas artes.

Um outro problema que diz respeito ao mago é o fato de ser inerente a Ruach um princípio de autocontradição que impede seu uso, independentemente de qualquer assistência superior, para a busca da verdade e da luz. Alhures eu consegui ocupar-me um pouco dessa questão da incapacidade do homem racional de transcender o mundo fenomênico, e muito mais a respeito desse tema pode ser encontrado no esplêndido tratamento de Kant das quatro antinomias da razão no Prolegômenos, em Aparência e Realidade, de Bradley; e um resumo excelente se acha no Tertium Organum de P. D. Ouspensky.
(Israel Regardie)

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