5 de junho de 2010

A CREAÇÂO SEGUNDO A GNOSIS


" Quem reconhece a sua ignorância começa a ser sábio "(Confúcio)

Este texto refere-se à gnosis ligada a creação do mundo dialético, ao plano abaixo da Tríade Superior. Este estudo visa analisar o que motivou a creação do mundo objetivo, o mundo em que o ser humano vive. Na realidade são três as razões atribuídas a creação do mundo material, cujo estudo compreende três tipos de Gnosis. Começaremos pela ordem mais conhecida no mundo ocidental, a impropriamente chamada de Gnosis Hebraica, ou Gnosis Bíblica.

Segundo a Bíblia, Deus criou o homem sem uma finalidade explicável. No Gênesis não há referência ao porquê de Deus haver creado o homem, simplesmente diz que o homem foi creado e colocado num paraíso, num mundo maravilhoso, num lugar bem especial mencionado pelo nome de Jardim do Éden.

Com a nova visão da humanidade a respeito do Universo, desde que a concepção das pessoas mudou em decorrência da terra haver perdido o lugar soberano no Universo e no qual sido considerada apenas um diminuto e inexpressivo ponto, surgiu então a primeira indagação sobre o que significa o Éden como lugar. Os mais ferrenhos religiosos continuaram mantendo-se rígidos na concepção - na admissão - de se tratar de um lugar que outrora existiu neste mundo terreno. Outros, porém, colocaram o Éden como sendo o próprio universo material; e outros colocaram-no como um plano a nível astral.

Vale salientar que o sentido do Éden, mesmo se colocado como o próprio universo creado, ainda assim os mesmos questionamentos persistem. Indaga-se do porquê de um lugar, do porque da existência dos espíritos, e do porquê destes terem que se revestir de uma estrutura material - o corpo - algo perecível e sujeito a toda classe de sofrimentos. Ainda mais difícil é o entendimento do porquê dentro de um universo tão amplo foi exatamente a terra - ponto tão insignificante e inexpressivo do cosmo - escolhido para ser o palco das vivências do homem citado como imagem e semelhança do próprio Deus. Por qual razão a terra, um insignificante lugar sideral, foi escolhida para sediar o. Paraíso?

Em torno desses questionamentos desenvolveu-se um tipo de gnosis, que, na realidade, constitui-se mais uma teologia dogmática do que propriamente uma forma de gnosis. Não é uma gnosis, pois gnosis é conhecimento e a aceitação sem a sabedoria confere a qualidade de dogma. Para várias doutrinas a impossibilidade de explicar as razões, e mesmo o sentido da creação, fez com que se estabelecessem dogmas, impedindo-se com isso as indagações do onde e do porquê da existência dos espíritos.

Indaga-se do porquê de haver sido creado um éden, algo bem diminuto diante de um Universo incomensuravelmente grande. Para que um inconcebivelmente grande Universo ante um Paraíso tão diminuto e limitado? Para que as estrelas, para que os astros? Apenas para ter o éden céu estrelado? Para deleite dos olhos dos seres viventes no Éden? Se assim fosse, indaga-se: Até quando o homem sentir-se-ia feliz vivendo num lugar limitado, vendo as estrelas sem poder alcançá-las? Mesmo que se diga que o Jardim do Éden era um ponto inicial de onde mais tarde o homem poderia galgar todo o Universo, ainda assim persiste a indagação do porque criar o homem e um lugar para ele viver. Qual a razão, qual o propósito disto?

Indagações como estas se seguem numa sucessão ilimitada. Essa Gnosis é a aceita pela cultura Judaico Cristã, melhor dizer pelo Cristianismo Ortodoxo dominante desde o I Concílio de Nicéia do qual derivou a quase totalidade das religiões cristãs da atualidade. Basicamente esta gnosis diz o seguinte: "O mundo material foi feito com um propósito desconhecido. Foi feito como algo bom, mas homem pela desobediência induzida por satanás transformou-o num lugar ruim".

A não aceitação desta tese, a insustentabilidade racional desta hipótese despertou uma segunda maneira de pensar, e assim, em contraposição existe uma segunda, conhecida como Gnosis de Mani. A doutrina estabelecida por Mani, conhecida pelo nome de Maniqueísmo, tem como base um rigoroso dualismo. Esta doutrina foi fortemente influenciada pelo Mazdeísmo que via o mundo como uma dualidade, sob o domínio de dois poderes opostos. Uma oposição entre o mal e o Bem, entre a treva e a Luz. Segundo tal sistema, o mundo material foi creado pelo poder da treva que aprisionou o espírito creado pelo Poder da Luz.

Segundo a Gnosis de Mani, a terra não foi feita por Deus como um lugar, como um paraíso, e sim algo creado pela malignidade. Considera o mundo dialético como algo inerente a malignidade e a terra um lugar onde o espírito confinado à matéria maligna luta pela libertação. Em síntese, segundo a Gnosis de Mani a terra foi creada pelo demiurgo, uma expressão da malignidade, conseqüentemente tudo o que diga respeito ao mundo material essencialmente deve ser considerado como algo nefasto, maligno, pecaminoso, contra o que o espírito tem que lutar permanentemente até que consiga se libertar do jugo da matéria, do poder do demiurgo, se libertar das garras força satânica.

Muitas doutrinas abraçaram esta gnosis, entre elas o Maniqueísmo que não admitia ser possível que a natureza maligna e corrompida predominante na terra pudesse provir de Deus. Por isto o Maniqueísmo afirmava que toda matéria era é creação de Lúcifer.

Baseado nas concepções maniqueístas, os Cátaros e Albigenses abominavam tudo referente à matéria, tolerando apenas, como uma contingência, um mínimo de coisas materiais indispensáveis à vida na terra, por ser a matéria produto de Lúcifer. Embora católicos de inicio, os Cátaros foram abominados e destruídos pelo Catolicismo, entre outras razões, por não aceitarem nem mesmo a Eucaristia, desde que a hóstia e o vinho eram materiais e como tais Jesus não poderia estar presente nesses elementos. Isto e outras formas de vida atraíram tremendo ódio das autoridades romanas que acabaram liquidando com o Cátaros de formas deveras cruéis.

Segundo a "Gnosis de Mani" Deus creou os espíritos puros, que depois vieram a ser chamado de "O Homem Celeste". De início, este nada tinha a ver com o mundo material o qual fora paralelamente creado pelo poder das trevas. O mundo material não foi creado como um lugar para o homem celeste habitá-lo, embora ele acabasse por vir a ser aprisionado nele pela matéria.

Também esta gnosis não explica o porquê dos espíritos haver sido creados. Afirmam que eles foram creados e envolvidos dentro da situação que vivenciamos na terra, mas nada dizem quanto à finalidade deles virem a existir individualizadamente. Negam que eles foram creados e vieram habitar um éden na terra ou em qualquer outro ponto do universo.

Apenas a gnosis de Mani diz que os espíritos foram atraídos pela creação luciferina. O Homem Celeste viu o mundo material, e viu ele próprio como um ponto de convergência de todas as coisas, e como tivesse visto a sua própria figura na água do mundo material, amou-a e quis conviver com ela. Assim desenvolveu-se o estado em que a natureza da matéria envolveu o Homem Celeste e ele veio habitar na terra, não como um ser liberto, mas sim como prisioneiro e de onde vem procurando se libertar.

Segundo a Gnosis de Mani o espírito, creação divina, tornou-se prisioneiro do no mundo satânico e à Gnosis cabe trazê-lo de volta à condição primitiva.

NA terceira é a Gnosis de Hermes. Segundo esta, de início, na Creação manifestou-se o Pai, por isto considerado a Primeira Luz da Creação. Nela estavam contidas duas polaridades opostas, Kristos - Princípio Masculino - e Sophia - Princípio feminino. Em dado momento, da Primeira Luz emergiu uma Segunda Luz que, por sua vez ao se polarizar surgiu uma Terceira. Estava, assim, constituída a Tríade Superior: Pai - Kristos - Sophia. Esta é a mesma Tríade Superior representada na Cabala - na "Árvore da Vida" - por Kether - Hokhmah - Binah.

Por haver contido as polaridades masculina e feminina, a Primeira Luz é considerada simbolicamente por algumas doutrinas como um Andrógino. Pelo desdobramento dessa natureza andrógina se diferenciaram as polaridades masculina e feminina, representada respectivamente pelos Princípios: Kristos - Princípio Fogo - e Sophia - Princípio Água.

Antes da polarização Kristos e Sophia eram um só princípio integrante do Pai, por esta razão Kristos e Sophia são considerados simbolicamente como irmãos e esposos.

Em dado momento Sophia desejou conhecer, viu-se como sendo o próprio Pai e então quis certificar-se disto. Assim avistou o seu próprio reflexo o que a fez acreditar ser o próprio Pai. Direcionou-se para lá e quando havia "descido" evidenciou o seu engano, não era o Pai, mas sim o seu reflexo. Ao ver o equívoco cometido pela inveja, quis voltar, e no que foi atendida pelo seu irmão Kristos que veio tentar resgatar sua irmã Sophia.

Exatamente, na queda de Sophia gerou os espíritos e também o mundo material, o mundo dos espelhos, o mundo das ilusões.

Não existe apenas uma escola de Gnosis Hermética, e algumas que diferem entre si por alguma maneira de interpretação quando à queda de Sophia. Uma das principais linhas de interpretação afirma que a própria "queda de Sophia" gerou o mundo material, sendo assim a creação da matéria seria algo inerente à queda. Por outro lado existem os que dizem que a creação do mundo material foi feita pelo Pai afim de que Kristos pudesse vir a resgatar Sophia. Em outras palavras, um local, um meio, a partir de onde o resgate pudesse vir a ser feito.

Segundo Gnosis de Hermes o mundo não foi creado à margem da creação do espírito do Homem Celeste, não como um simples lugar bom para viver, mas como um meio de amparo à Sophia, um lugar aonde ela viesse a descobrir que todas as coisas que ela crera ser o Pai na realidade eram apenas espelhos, miragens do próprio Pai, e donde ela pudesse estruturar o caminho de volta à origem.

Ainda nesse nível não consta uma explicação para o porquê da Creação. Quando muito diz o porque da creação do éden, mas nada diz a respeito do propósito ligado a creação do espírito. Isto faz com que existam tantas escolas que visam chegar até esta compreensão. Neste caso há um outro aspecto da Gnosis de Hermes a ser considerado, e que se baseia no Principio do Mentalismo, que diz inexistir como realidade o mundo material, o mundo objetivo, diz que tudo é Mente, que a realidade material inexiste fora do mundo relativo. Sendo assim tudo isto é apenas uma manifestação da natureza intrínseca do Poder Superior; valendo, então, a fim de justificar o porquê da creação, aquela afirmativa expressa na Cabala: "Deus creou o universo e os espíritos porque Deus quis ver a Face de Deus...". As coisas criadas são os espelhos nos quais o próprio Poder, manifestando-se como espíritos, vê a si mesmo. Segundo essa corrente gnóstica:

O MUNDO É APENAS UMA VISUALIZAÇÃO DE DEUS.
(Autor: José Laércio do Egito - F.R.C.)

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